Voluntariado
empresarial - O que dizer para motivar alguém a ser uma pessoa voluntária?
Reinaldo Bulgarelli, 15 de setembro de 2015
Tenho que falar amanhã para um grupo de colaboradores de uma grande
empresa. Estou aqui pensando no que dizer para eles sobre voluntariado.
Acho que é bom começar falando de sustentabilidade, dos desafios que estamos
enfrentando no momento para tornar a vida possível hoje e amanhã, a nossa e de
tantas outras espécies com as quais mantemos uma relação de interdependência
neste mundo. Mas, não ficará muito distante ou passará a ideia de que
voluntários são salvadores do universo?
Já estou até vendo a carinha de um colaborador me olhando
com desconfiança sobre suas condições de salvar o planeta. Não, não é uma fala
para estimular que cada qual vista uma roupa de super-herói e saia por aí
corrigindo o que há de errado no planeta. Isso seria até perigoso porque alguns
podem se tornar arrogantes, achar que tudo passa a existir a partir de seu
gesto de adesão ao voluntariado. Melhor não fomentar a geração de gente
arrogante.
Mas, não dá para falar de voluntariado sem falar de um mundo
melhor. Isso de mundo melhor vem grudado nas falas sobre voluntariado. Então, é
melhor explicar logo de cara que esse tal mundo melhor pode ser algo autoritário
se não for um mundo melhor para todos, inclusivo, que saiba lidar bem com os
conflitos e as diferentes visões sobre o que é mundo, o que é melhor e para
quem será melhor. Pronto, já desandei a falar de valorização da diversidade e
desviei a atenção do tema central.
Eu preciso mostrar que a empresa está querendo estimular que
dediquem horas, até mesmo remuneradas, para uma ação que beneficie a sociedade.
Preciso estimular que ajam para além do seu cotidiano cheio de compromissos,
sobretudo compromissos de trabalho. O que faz uma pessoa encontrar tempo para
fazer algo de bom para o mundo e sem querer receber nada em troca? O que faz
alguém atender o convite da empresa para dizer que está sendo criado um
programa de voluntariado empresarial que dará suporte a quem quiser se
organizar e participar de ações sociais das mais variadas?
Dá vontade de começar perguntando se já perceberam que o
emprego deles está correndo risco, que a empresa está no maior sufoco, que o
Brasil está vivendo uma crise imensa, que o mundo está se acabando. Se, ainda
assim, continuarem dispostos a ouvir sobre voluntariado, acho que estarei
diante de um grupo realmente interessado. Que catastrófico! Não é um bom
começo, entendi.
No fundo, estou duvidando que uma fala possa inspirar alguém
a ser voluntário. Eu é que estou com problemas. Eles já estarão ali na maior
boa vontade atendendo o convite da empresa e eu aqui pensando em como
convencê-los a agir. Mais do que inspirar, quero dizer o que acho ser um bom
voluntariado. É muita arrogância da minha parte. Basta dizer o que sinto sobre
ser voluntário e parar de dar fórmulas para não serem isso ou aquilo.
Quem é arrogante no dia a dia, será também arrogante na hora
de aderir ao voluntariado. Quem é autoritário não precisa de empurrão para sair
por aí construindo um mundo melhor segundo seu próprio umbigo. Quem só vê
problemas à sua volta e se acha um herói capaz de salvar o universo,
desqualificando tudo e todos, não vai precisar de apoio de ninguém para exibir
sua capa.
Quem se move porque enxerga a flor no meio do lixão, porque
tem lembrança do que é um dia de sol no meio da tempestade, o valor de um
sorriso, o calor de um abraço, também não precisa de ninguém que venha ensinar
a importância do voluntariado. A pessoa voluntária, na prática ou no desejo, quer
é encontrar alguém que, como ela, compartilha do mesmo brilho no olhar, da
mesma inquietude, da mesma vontade de transbordar cotidianamente.
O voluntário que quer salvar o mundo, que se move porque
acha que nada presta, que só ele pode fazer a diferença no mundo, ser cidadão,
redentor da humanidade, desiste depois de um dia, da primeira coisa que
interpretar como ingratidão ou de uma frustração qualquer. Ele se move por
culpa própria ou dos outros. Ou desiste ou muda de atitude. Quem não desiste ou
resolve mudar de atitude, passa a falar outra língua, a de quem vê esperança
onde nada indica motivos para isso. A língua da responsabilidade ou da
corresponsabilidade. Nada de culpa!
A pessoa voluntária não é inconformada com o mundo, não se
move pelo ódio contra tudo de ruim que há na humanidade e muito menos é
indignada com as injustiças que outros cometem. Ela olha para si e se vê
incapaz de existir sem ser o que quer ver no mundo. Gandhi acertou em cheio! A
pessoa voluntária, aprendi ao longo dos anos, é humilde, simples, gosta do
mundo, das pessoas, dos bichinhos, admira as coisas bonitas, de um ninho de
passarinho à alegria de uma criança brincando.
A pessoa voluntária se move porque não teria outro jeito de
viver neste mundo senão se doando, se esparramando, indo além do que é esperado
ou dos papéis rigidamente impostos. A cidadania é isso: faça o certo, o
esperado, cumpra com suas obrigações para com a coletividade, lute por justiça
e pela ampliação dos direitos.
A pessoa voluntária é mais do que uma boa
cidadã. Ela sempre acha um jeito para contribuir, ajudar, cooperar, unir
esforços para algo dar certo, seja lá o que for. Nem precisa mandar, ela faz.
Ela sempre encontra um tempo para fazer algo mais, algo além, algo que melhore
o ambiente ou o dia de alguém porque seu dia nasceu para ser feliz e não triste.
Isso não é salvadora do mundo e ela nem está pensando nisso. Faria mesmo sem
alguém dizer que está salvando alguma coisa.
A pessoa voluntária se move porque dentro dela mora a
urgência, a incapacidade de adiar para daqui a pouco o que pode ser feito
agora. A pessoa voluntária não quer nem saber se aquilo é prática cidadã ou se alguma
divindade vai gostar mais dela por isso. Até se arrisca a fazer bobagens e faz,
mas como é persistente, não desiste fácil, aprende, aprimora, se capacita para
fazer melhor no dia seguinte.
Então, o que vou dizer para os colaboradores da empresa?
Nada de novo, só encontrar com aqueles que têm brilho no olho e compartilhar com
eles essa alegria de saber-se disponível para além das fronteiras que o tempo ou
qualquer outra coisa tentam limitar. E morram de inveja os que não ainda não se
dispuseram a sair do lugar, a romper com a mesmice, a parar de falar mal do
mundo.
E que, depois de morrer de inveja, mudem de ideia e
experimentem a dor e a delícia de ser alguém disponível para o mundo e suas
muitas possibilidades. E que se movam não pela desgraça que há em volta, mas
pela coragem de deixar brilhar a luz que há lá dentro e que nos conecta com a
força da humanidade. Sim, há uma força gigante em ser humano que é capaz de
coisas incríveis. Isso nos apavora. A pessoa é voluntaria não por nada, apenas
porque libertou essa força e se permite conectar com o mundo. Os outros é que
dão nome e até cursos sobre isso, o que é ótimo, mas ela morreria se fosse
diferente, se tivesse que encaixotar o sol que traz no peito.
Ser pessoa voluntária, cheia de atributos e competências,
cheia de histórias de contribuições fantásticas, mil transformações realizadas
por segundo quadrado, teve um dia um despertar, o primeiro passo. Tudo se
aprende e até a se dispor ao mundo pode ser coisa aprendida. Mas, ser pessoa
voluntária não é um fazer, é um jeito de ser no mundo.
Como eu já disse em outras falas e textos, ser voluntário é
ir além do esperado e a direção é uma só: garantir que a vida possa se
expressar com dignidade num mundo sustentável. Está tudo integrado e
interdependente, portanto, não estamos agindo para “tapar buraco” enquanto o
mundo melhor não surge de algum milagre. O voluntariado, quando tira a pessoa
da mesmice, ainda mais quando atua na direção da sustentabilidade, já é o mundo
melhor acontecendo.