Mostrando postagens com marcador discriminação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador discriminação. Mostrar todas as postagens

domingo, 26 de julho de 2015

Trindade


Trindade
Reinaldo Bulgarelli
07 de julho de 2015

Trindade abaixava a cabeça quando passava pelas pessoas. Eu o seguia com olhos curiosos e amedrontado. Morria de medo de me tornar o Trindade. Ele abaixava a cabeça porque decerto via, mesmo sem olhar, aqueles olhares desconcertados. Também ouvia, fingindo não ouvir, os comentários desencontrados que sua presença impunha. Eu não entendia muito bem o porquê. Só sabia que não era bom ser Trindade. Perguntava, mas ninguém respondia. Acho que já nem lembravam mais o motivo, se é que um dia souberam.
Vi meus pais entrarem em silêncio como se algo fosse acontecer. Era Trindade passando na frente do nosso prédio. Eu estava grudado nas grades e fazia acrobacias de menino como se nada mais pudesse ver ou escutar. Mas, não era bem assim. Minha mãe disse que ele não ia muito longe. Parei para olhar ele cair, mas não caiu. Meu pai, balançando a cabeça em desaprovação, apesar de concordar, reprovava era o Trindade. Acho que também tinham medo de se tornar um Trindade.

Dias depois eu me estatelei no chão. A bicicleta de rodinhas descia a Rua Itambé como se fosse uma locomotiva, mas não derrubou o poste. Fui parar logo adiante com um galo na cabeça e os joelhos ralados. Alguém me pegou por trás e me levantou, virou meu rosto para mirar o galo que crescia numa vermelhidão assustadora. Não sei se eu parava de chorar ou se chorava mais ainda. Era o Trindade. Passou a mão nos meus cabelos e me botou na direção da bicicleta. Não disse nada, apenas mostrou o caminho com os olhos.

O porteiro do prédio veio ao meu socorro, não sei se pelo tombo ou se pelo Trindade. Ele, como sempre, seguiu seu caminho de cabeça baixa e ouvidos tapados. Eu o segui do alto do colo do seu Ernesto. Ele me acudiu no desastre e o seu Ernesto me acudiu de quem me acudia. Chorei ainda mais quando minha mãe ofereceu a acudida derradeira. O colo de quem a gente confia gera uma perda total de compostura.

Segui adiante, nem sempre tendo colo por perto, mas sempre encontrando Trindades. Já não choro mais ao encontra-los. O medo me fez observa-los e a curiosidade me fez até admirá-los, mesmo que de longe, às vezes mais de perto. O Trindade era fantasma de carne e osso que me invadia os pesadelos, estivesse dormindo ou acordado. Depois, foi invadindo meu jeito de olhar o mundo.

Ficou interessante olhar com olhos de Trindade. Ficou divertido considerar o que diria ou o que faria Trindade diante de qualquer situação que se me apresentava. Sempre seremos Trindade para alguns. O mundo sempre fica desnudo quando o Trindade passa. Aprendi que Trindade, seja lá por qual motivo for, sempre amedronta e atrai com seu andar que faz desmoronar as caras de paisagem.

domingo, 26 de outubro de 2014

Antes de raiar o dia

Antes de raiar o dia
Reinaldo Bulgarelli
26 de outubro de 2014

Aqui na rua acontece de tudo. Tem um bar que reúne os jovens e os não tão jovens. Eles chegam ao comecinho da noite e ficam até de tarde do dia seguinte. O cheiro de cerveja, xixi, maconha e desespero vão longe.

A moça do escritório em frente levou um soco no rosto de um maluco desses. Doeu, machucou e ela, briguenta, levou o sujeito para a delegacia, apesar do protesto dos demais. No dia do batizado do meu neto, ele estava todo arrumadinho e a família desfilando com muita pompa de casa até a igreja. Vimos uma moça tirar a roupa para fazer xixi no meio da calçada, bêbada e jogando pragas. A moça pelada é assunto para o resto da vida.

Assim é o bar do lado de casa. Brigas e facadas, polícia, propina e muita droga é o que tem neste lugar, retrato de muitos cantos do nosso país. Nunca vi nenhum pastor passar por ali para converter os infiéis da Rua Augusta. Se algum tentou, não deve ter sido fácil. Fácil mesmo é acolher um desses jovens quando quer sair do alcoolismo e das drogas, dos dias sem nada para fazer, a não ser ficar malucando na porta do bar.

Depoimentos emocionantes na igreja e um palco para aqueles que mudaram de vida, que falam do passado com dor, lamentando o que foram e fizeram. É isso que estou chamando de fácil. E quem os amava e acolhia enquanto estavam ali mergulhados na cerveja e no xixi?

Lembrei-me dos anos e anos em que passei trabalhando com crianças e jovens em situação de rua no centro de São Paulo. Lembrei-me dos educadores sociais de rua que estão pelo Brasil a fora fazendo este trabalho de estar com aqueles que ainda não contam sua história no tempo passado.

Estou agora engajado em um projeto para ampliar a empregabilidade de ex-detentos. São pessoas que cumpriram penas no sistema prisional e que não encontram oportunidade no mercado formal de trabalho. O que eu disse ser fácil, não é tão fácil assim. Mesmo para estes que estão dizendo que não querem voltar para o mesmo lugar, que querem uma chance para se reinventar, as portas do mercado de trabalho oferecem restrições: queremos saber dos antecedentes criminais. Deveriam prioriza-los, mas, ao contrário, fecham as portas. Temos muito que fazer para mudar isso.

Mas, quem é que se dedica a visitar os presos, principalmente aqueles que ainda não demonstraram nenhum interesse em mudar de vida e ingressar no mercado de trabalho? Quem é que os visitam e trabalha para ampliar suas possibilidades e escolhas, com ou sem moralismo, trabalhando com desenvolvimento humano? Quem é que lida com “essa gente” dizendo que têm valor, como os jovens aqui do bar vizinho, mesmo enquanto ainda não se bandearam para o lado definido como decente?

Difícil mesmo é ver valor naquele sujeito que deu o soco na moça do escritório, a outra doidona que fazia xixi no meio da rua e o outro que esfaqueou o colega por um motivo qualquer. Na minha experiência com as crianças e jovens em situação de rua, aprendi que isso faz toda diferença. Se a pessoa quer ficar ali, num tempo que pode ser maior que a minha vida ou até o limite da vida dela, mesmo assim a gratuidade da presença passa mensagens poderosas.

É o olhar, o gesto e essa presença dizendo algo essencial para qualquer escolha que se possa fazer nesta vida: você tem valor, dignidade e merece respeito em qualquer circunstância. Se quiser mudar, se não quiser, mesmo assim, antes e acima de tudo, você tem valor. Era isso que dizíamos, às vezes sem dizer nada, para aqueles que estavam na rua, nem sempre só pobres, nem sempre só violentos ou drogados.  O que havia de comum era a falta de perspectiva, um projeto de vida, um propósito de verdade que fosse além da sobrevivência no dia presente.

Na falta de perspectiva, faz toda diferença ter alguém sinalizando que você tem valor hoje, agora, neste instante. A perspectiva é construída numa mão estendida, numa oportunidade e numa escolha que acontece dentro da gente.

O que vem antes? Não tem antes e nem depois. É tudo junto e ao mesmo tempo porque estamos falando de gente. Alguns se reconstroem por dentro a partir da vivência da oportunidade, incluindo erros e acertos, idas e vindas. Alguns se reinventam primeiro no silêncio de uma escolha que acontece dentro. Aí, depois disso, é que passam a buscar as oportunidades e as condições de seu desenvolvimento.


Uma sociedade que lida apenas (e muito mal) com quem foi capaz de reinventar-se, por motivos religiosos ou outro qualquer, não lida direito com nada que seja significativo ou sustentável. O bom mesmo é reconhecer uma pessoa onde tudo em volta e tudo dentro diz que ali está uma besta sem qualquer humanidade. Minhas homenagens aos que visitam os presos, aos educadores sociais de rua, aos que se dedicam a estar naquele lugar que cheira a xixi e naquele momento turbulento do dia que ainda não raiou.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Inclusão da criança com deficiência na escola


Inclusão da criança com deficiência: a mediocridade reina?
Reinaldo Bulgarelli, 05 de janeiro de 2013

Quadro com frase de Osho: "A vida começa
onde termina o medo."
Percebi que uma rede de blogs que tratam dos direitos da pessoa com deficiência se articulou rapidamente para comentar mais um daqueles artigos horríveis da Lya Luft. O artigo está na Veja do final de 2012. Eu não costumo ler estes artigos e “mudo de canal” para não dar ibope a quem não diz coisa com coisa. Se pelo menos buscasse argumentos, informações, mas os artigos dela apenas destilam veneno contra tudo que não seja o pequeno mundinho “classe média”, como ela mesma diz ser.

O intuito aqui não é comentar o triste parágrafo, por exemplo, onde a Lya diz o seguinte: "Segundo, precisamos, sim, rever em toda parte nossos conceitos, leis e preconceitos quanto a doenças mentais. O politicamente correto agora é a inclusão geral, significando também que crianças com deficiência devem ser forçadas (na minha opinião) a frequentar escolas dos ditos 'normais' (também não gosto da palavra), muitas vezes não só perturbando a turma, mas afligindo a criança, que tem de se adaptar e agir para além de seus limites — dentro dos quais poderia se sentir bem, confortável, feliz."

Credo! É confusão demais para alguém que vive chamando os brasileiros de medíocres (“a mediocridade reina, assustadora, implacável e persistente”, em 26 de setembro de 2012, entre outros tantos “artigos”). Mediocridade é querer escrever sobre algo que não conhece, usar sua projeção de maneira irresponsável para destilar seus conceitos medievais como se a caretice nacional nascesse do seu próprio umbigo. Não, dona Lya não vai estragar nosso dia e muito menos os caminhos que escolhemos trilhar. Seus textos medíocres ofendem, ferem a dignidade das pessoas, deixam rastros de ódio e não propõem nada, a não ser que se mantenham as coisas como estavam em mil novecentos e antigamente.

Acho melhor comentar o fato de que a inclusão da criança com deficiência na escola vai seguindo firme e forte. Converso com educadores e dirigentes de escolas públicas e privadas nos seus diferentes estágios de aplicação prática da ideia de inclusão e vejo que as coisas mudaram rapidamente nos últimos anos.

O que era apenas um conceito, hoje pode ser constatado em qualquer escola do bairro de qualquer canto do país. Não, ainda não chegamos lá e muitas coisas precisam melhorar, mas já temos muita coisa para mostrar, muitas histórias para contar e muitos resultados para avaliar.

Com esses educadores que estão trabalhando a inclusão, aprendi que eles superaram algumas posturas e práticas, como as ideias paralisantes, desqualificantes e desmobilizantes (perdoem os neologismos para garantir a rima!):
1. Ideias paralisantes - Elas negam direitos e usam discursos aparentemente críticos para manter as coisas como estão, bem longe das mudanças. Dizem o seguinte: “Enquanto toda a educação brasileira não melhorar, não há porque se falar em educação para a criança com deficiência”. E a criança, todas elas, não têm direito à educação? Tem que esperar tudo melhorar? Quem vai dar o sinal pra avisar que tudo melhorou? Tem cabimento?! Esse tipo de argumento não é o suprassumo do desprezo pelo ser humano? Você ficaria do lado de fora aguardando que alguém, um dia, melhore a escola, segundo os padrões de algum elitista de plantão, para você pisar no tapete vermelho? E enquanto isso, o que faremos?

2. Ideias desqualificantes – Elas acabam com os professores, as escolas e o país e dizem o seguinte: “Os professores são uns coitados, ganham mal, não sabem nem educar uma criança sem deficiência nas péssimas escolas que há neste país pobre e medíocre. A escola brasileira é muito ruim e esses professores desqualificados mal dão conta de suas tarefas básicas.” Os professores ganham mal, a escola brasileira não é a melhor do mundo, longe disso, mas essa moda de desqualificação está mesmo a serviço de quem? Não é o suprassumo do elitismo ficar desqualificando os pobres e quem trabalha com eles? A desqualificação tem ajudado em alguma coisa? Como alguém pode se sentir estimulado se falsos amigos defendem os professores dizendo que são coitadinhos, despreparados e incompetentes? É uma crítica que não quer ver melhoras, mas quer manter o mundinho no século passado.

3. Ideias desmobilizantes – Elas não gostam de participação e não acreditam que os sujeitos da educação poderão se envolver na busca de soluções. Dizem que são todos desqualificados: o povo e seus educadores. Portanto, como irão participar da solução? Apenas os sabidos da pátria, esse povo que nem se informa direito e já sai escrevendo artigos em revistas de grande circulação, é que poderão encontrar soluções interessantes. A vida é melhor do que suas ideias e toda escola que se dispôs a ser inclusiva está enfrentando desafios, evidentemente, mas está também encontrando soluções, construindo uma nova história da educação no país.

Na prática, no concreto, no dia a dia da vida como ela é, as escolas inclusivas entenderam que não estão fazendo mais do que a obrigação, que estão corrigindo uma injustiça gerada no passado e isso não vai ser fácil, mas tem que ser possível. E na coragem dos que não querem dormir no século passado, estão aprendendo a incluir na própria prática da inclusão, além de muito estudo, dedicação, busca por apoios dos mais variados. A inclusão é um processo, um movimento, uma busca movida a ideais muito melhores do que aqueles que movem o elitismo pátrio e nada patriótico.

O que mais escuto daqueles que avançaram para fase do fazer e não mais da conversa fiada é que a educação inclusiva melhora a escola toda, aprimora métodos, gera novas visões e práticas. Esses educadores confirmam o que disse o documento da UNESCO sobre educação inclusiva – “DECLARAÇÃO DE SALAMANCA SOBRE PRINCÍPIOS, POLÍTICA E PRÁTICAS NA ÁREA DAS NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS, 1994”.

Se você tem um filho ou filha com deficiência, não se assuste e muito menos se acovarde diante dessa rabugice de uma pessoa da idade média, elitista e preconceituosa. Participe ativamente do movimento por educação inclusiva e coloque todo seu conhecimento sobre seu filho e sua realidade a serviço da escola.

Não espere um mundo pronto, o mundo das coisas óbvias (é um direito e pronto!) porque estamos em fase de construção. Nesta fase, é preciso firmeza de princípios, mas é preciso também postura educativa, construtiva, parcerias para encorajar e não para congelar as mudanças.

Postura parceira, que cobra, que se indigna e tem as mais altas expectativas, caminha junto e quer soluções, não apenas constatar que o mundo é cruel para com a criança com deficiência. E não se esqueça de envolver sua criança. Ela também pode e deve participar desta construção. A tutela mais atrapalha e reforça falas de ódio à diversidade do que ajuda neste momento que estamos vivendo.

Se sua escola jamais pensou no assunto da inclusão de crianças e adolescentes com deficiência, tome coragem, assuma sua responsabilidade e atenda a uma demanda legítima da sociedade internacional, não apenas a brasileira. E pensar sobre isso pode passar pelas fases acima e que precisam ser superadas: a fase das ideias paralisantes (nada pode ser feito enquanto tudo não estiver perfeito), desqualificantes (não sabemos nada, não estamos preparados, as crianças não estão preparadas, o mundo é despreparado e horrível) e desmobilizantes (não vou pedir ajuda, não vou ouvir ninguém, não acredito que professores, alunos e seus pais possam contribuir de alguma forma).

Ouça, dialogue, converse sobre o assunto com outros educadores, conheça as experiências boas e ruins de outras escolas, disponha-se a mudar e a acreditar que é possível, além de ser um dever. Supere-se, vá além de seus limites porque quem está numa escola já faz isso cotidianamente e encontra nos desafios as condições para o desenvolvimento de todos.

Comece 2013 com algo novo para contar em 2014, até um dia em que as Lyas Lufts da vida serão lidas como se leem hoje os discursos dos nazistas, dos que defendem a eugenia, dos escravocratas, dos ditadores, dos elitistas e daqueles que só conhecem o ódio contra as diferenças. Vamos corar de vergonha pelos humanos que um dia fomos ao deixarmos crianças com deficiência do lado de fora da escola regular.

A história será outra e você ajudou a construir um novo momento, difícil, talvez, mas possível, desejável e muito melhor para todos. Não vá atrás dessa gente que odeia por odiar porque o ódio, como dizem os sábios, jamais construiu nada de bom. Tenha a coragem de viver!
1. O artigo da Lya Luft está reproduzido e comentado no site Lagarta Vira Pupa: Tenha estômago porque nem comentei um décimo das atrocidades ali apresentadas: http://lagartavirapupa.com.br/blog/tag/texto-lya-luft-veja-inclusao/

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O mundo está mais delicado e os homens estão em crise

O mundo está mais delicado e os homens estão em crise

Trabalhei intensamente as questões de gênero neste segundo semestre de 2012. Estou cada vez mais preocupado com os homens e gosto de ouvi-los para entender o que está acontecendo. Antes, pareceria piadinha machista dizer que os homens estão ficando para trás, mas o cenário está cada vez mais nítido neste sentido e é preciso agir sobre ele com o olhar da valorização da diversidade.

O olhar da diversidade

Que olhar é esse? É o olhar de quem valoriza a parceria entre homens e mulheres, que não acredita que haja atributos natos ou genéticos para explicar os papéis de gênero, muito menos a divisão sexual do trabalho. Valorizar a diversidade significa gostar de ambientes que sejam tão femininos quanto masculinos. O que se quer não é a superação de organizações masculinas, masculinizadas e masculinizantes (MMM) por organizações femininas, feminizadas e feminilizantes (FFF), mas aquelas que promovem a cooperação entre homens e mulheres como forma de efetiva construção de algo novo, revolucionário, transformador.
Organizações que valorizam a diversidade de gênero não estão apenas buscando oportunidades melhores para as mulheres, mas estão enfrentando o machismo que explica, gera e mantém essa realidade de prejuízos aos homens e mulheres. O machismo mora na cabeça de homens e mulheres, está no ar que respiramos ou no caldo de cultura no qual estamos inseridos. Portanto, nada é automático e tudo é complexo neste mundo das ideologias que podem aprisionar corações e mentes dentro de padrões que nem mesmo interessam aos beneficiados. Para manterem-se majoritariamente nos lugares de poder, os homens se utilizam do machismo para explicar sua superioridade, mas ele causa prejuízos tão grandes que a mais leve reflexão faz perceber sua inviabilidade. O preço é alto demais!
A valorização da diversidade de gênero, no sentido de melhor distribuição do poder, das oportunidades, dos recursos, da promoção do diálogo, da troca e parceria, parece ser um antídoto melhor do que apenas matar os homens ou dar o poder às mulheres. E o machismo morreria com os homens ou com as mulheres no poder? Haveria mudanças significativas, mas nada garante que o machismo não sobreviveria com novos contornos.

O machismo é inimigo dos homens e das mulheres

O machismo atua na lógica da dominação, da opressão, da discriminação e submissão de alguém a lugares na sociedade com base no sexo com o qual se veio ao mundo. A diversidade de gênero diz que todos podem aprender uns com os outros, serem parceiros com suas singularidades e histórias de vida, até mesmo essas construídas num ambiente cultural machista. Gostar da diversidade leva ao equilíbrio, a estruturas caracterizadas pela igualdade, pela justiça, pelo cuidado com a qualidade das relações.
Quem valoriza a diversidade acredita que as pessoas não nascem para isso ou aquilo, mas para brilhar. Não lida com determinantes genéticos, não naturaliza o que é fruto das relações ou das vivências numa sociedade, num determinado tempo e lugar. Valorizar a diversidade é acreditar que aprendemos e que, se somos assim hoje, podemos ser diferentes amanhã. Nada há que nos condene a um futuro assim ou assado em função do sexo com o qual nascemos. Nada há que nos impeça de levar o outro dentro da gente nesta convivência livre do machismo e na qual podemos desenvolver atributos tidos como dos homens ou das mulheres.

A armadilha que o machismo criou para os homens

O machismo não explica, apenas rotula e diz que assim sempre foi e sempre será, naturalizando desde a origem as desigualdades entre homens e mulheres porque ele é superior e ela é inferior. Superior em que e inferior em relação a quê? Ao naturalizar o que é do campo social, o machismo, essa maneira de explicar a realidade de poder, criou uma armadilha para os homens. O mundo atual está mudado e os atributos que conferiam poder aos homens agora não são mais interessantes. Mas, se é a natureza que está determinando os atributos conferidos aos homens, como eles irão realizar mudanças diante de um novo tempo, com novas exigências, um novo contexto? Não podem mudar porque suas atitudes, comportamentos e até competências estão relacionadas à natureza dos hormônios ou dos órgãos sexuais e reprodutivos. Veja que situação!

O mundo mudou?

Vamos ver um exemplo disso. Eu ando perguntando aos muitos homens que encontro nas fábricas o porquê desta concentração tão antiquada. Respondem sempre a mesma coisa: as atividades exigem força. Pergunto uma coisa e respondem outra. A empresa precisa de homens ou de gente forte? Há homens fraquinhos e mulheres fortes, portanto, a resposta não faz sentido. A divisão sexual do trabalho sempre foi injusta, mas ainda está usando argumentos que apodreceram no caminho. Empresas e seus profissionais não estão atentos ao caminho? Podem tropeçar e gerar problemas para os negócios de muitas maneiras se não estão atentos à realidade.
Quando insisto na pergunta sobre o que explica essa concentração exagerada de homens em fábricas, dizem que as causas são históricas. Era assim no começo de tudo. E não pode mudar? Não mudou ainda? Não pode mudar neste instante em que ainda, em 2012, estamos diante de tantos homens? A fala sobre causas históricas é uma artimanha do machismo. Ora ele se utiliza da naturalização das desigualdades e ora se utiliza da história, como se ambas fossem determinantes e imutáveis.
Houve no Brasil profundas mudanças no mundo empresarial. Se pensarmos nos últimos dez anos – 2002 a 2012, muita coisa mudou. Nossas máquinas[1], apesar de antiquadas e de comprometerem até mesmo a produtividade, já não funcionam na base da força faz um bom tempo. Estou falando, evidentemente, destas grandes empresas para as quais presto consultoria, mas podemos generalizar para a maquinaria e processos de trabalho das médias e pequenas também. Não teriam sobrevivido sem essas mudanças.

O machismo desqualifica os homens

Eu digo aos homens que estão se desqualificando ao justificar a presença majoritária deles desta maneira. Não há mais nenhum sujeito musculoso que só serve para carregar peso dentro das fábricas. Tudo está sofisticado, com altas tecnologias e, assim, exigências de escolaridade cada vez maiores para os trabalhadores.
Eu digo aos homens que ninguém está ali por causa da força, seja homem ou mulher. Todos estão ali porque são inteligentes e atendem às exigências deste mundo sofisticado. Devem ler manuais cada vez mais complexos, tomar decisões, fazer parte de processos interdependentes que apenas a força não daria conta de mantê-los ali. Eles ficam todos orgulhosos de si diante deste lembrete.
Acredito, aliás, que não é correto e nem verdadeiro desqualificar os homens para promover a igualdade de gênero. Constatar que todos estão ali porque são inteligentes gera outro entendimento sobre os prejuízos que a discriminação de gênero causa para as mulheres, para o desenvolvimento da comunidade e das empresas. Não é desqualificando os homens que eles poderão perceber seu papel e se engajar na construção de um ambiente de trabalho que promova diversidade de gênero. É o discurso e a prática machista que desqualifica os homens ao reduzi-los a músculos. Raramente se percebe o quanto é desrespeitoso para com os homens dizer que eles estão num determinado lugar porque ali se exige músculos.
Nem é preciso dizer que estas grandes empresas também seguem padrões sofisticados de saúde e segurança. Além de cumprir a legislação, muitas delas estabelecem limites ainda mais rígidos para os processos que exigem carregar peso. Praticamente não há nenhum momento em que alguém carregue mais de trinta quilos. Mesmo que precisassem tanto de músculos fortes, há mulheres que carregam seus filhos por toda parte, carregam sacolas de feira, carregam a dura tarefa de cuidar de uma casa e da família toda. Nisto tudo há pesos muito superiores aos existentes no ambiente moderno dessas empresas.

O pessoal está discutindo gênero no cafezinho?

As empresas e suas fábricas ou unidades com grande concentração de homens estão atrasadas. A lógica da discriminação da mulher nunca fez sentido e hoje menos ainda. Quando vemos o mundo capitalista reunido em Davos[2] discutindo que a inclusão da mulher pode causar impacto positivo no PIB dos países e das suas cidades ou comunidades, percebemos o quanto esta questão está avançando numa velocidade superior a que as empresas estão realizando. Vamos colocar o assunto na mesa de reunião ou continuaremos conversando sobre isso no cafezinho?

O mundo está mais delicado, portanto, o mundo é das mulheres!

Este mundo sofisticado da tecnologia é o mundo da delicadeza. Uso este termo de propósito porque a delicadeza é atribuída geneticamente às mulheres ou aos homens homossexuais. Mas, o mundo está mais delicado nas suas máquinas e nas suas relações. Ser gestor já não se resume a mandar e controlar como antigamente porque os subordinados são outros e querem mais de seus chefes. Há até quem fale em crise de identidade dos gestores[3]. Imagine não colocar esses assuntos nas mesas de reunião?
Trabalhar numa equipe também já não é a mesma coisa de quando começamos a vida profissional, seja você dos anos 60, como eu, ou dos anos 90. Dentro de uma mesma geração experimentamos mudanças tão intensas que admiro as pessoas com mais de trinta anos que estão nas empresas hoje. São sobreviventes ou pessoas que conseguiram realizar mudanças profundas para estar ali. Há os que apenas quiseram se adaptar, mas não sobrevivem muito tempo desta forma. Há os que participam das mudanças e, mesmo com mais idade e enfrentando muitos desafios, estão sobrevivendo num mundo completamente diferente.

Mulher é superior – a constatação

Vivemos tempos de delicadeza nas máquinas e nas relações, ou seja, um mundo para o qual as mulheres estão muito mais preparadas. Foi a educação ou o “adestramento” que recebemos que nos fizeram assim, mas hoje tudo que é atribuído à mulher ou ao mundo feminino está mais valorizado.
Não há uma revista – Você S.A., Exame, Época Negócios, Isto É Dinheiro, entre outras, que não traga matérias sobre como mulher é muito melhor do que os homens. Antes, pareciam querer provar que eram melhores, agora estão explicando como são melhores. Fato consumado.
E são melhores mesmo? Sim, são muito melhores porque têm as qualidades que se encaixam melhor a esta nova realidade. Não fosse o machismo arcaico, os dados da demografia interna das 500 Maiores Empresas do Brasil, por exemplo, seriam outros.[4] A presença majoritária dos homens em cargos de poder e a consequente masculinização do mundo está vivendo seu apogeu e, assim, seu inexorável declínio.

O perfil das vagas parece ter sido escrito para as mulheres

O perfil das vagas está com exigências que dizem respeito ao mundo das mulheres, esse que o machismo criou e que lhes atribui a delicadeza, o cuidado com os outros, inteligência emocional, capacidade de se comunicar, de se expressar, de mostrar sentimentos e lidar com eles… Quem está mais preparado para o mundo da comunicação, da interação, da delicadeza?
Diante deste mundo que se tornou “feminino”, parece que as mulheres são mais adequadas, preparadas, passando com mais facilidade nos testes, entrevistas e processos de seleção. Eles também estão em busca de atributos femininos e passa no teste, “por coincidência”, quem responde melhor ao que foi perguntado para as mulheres responderem. Não é assim que age o machismo para garantir o lugar dos homens? Agora as estruturas, na mesma lógica, se voltam contra eles dizendo que é mera coincidência que elas estejam se saindo melhor e com tendências a ocupar os lugares de poder.

Qual é o problema?

Não é esta a lógica da valorização da diversidade. Gostamos de mulheres, de homens ou de diversidade? Se gostamos da diversidade, e das parcerias, estamos caindo na armadilha de apenas substituir homens por mulheres. Elas, dizem, nasceram para dirigir empilhadeiras, para cuidar dos canteiros de obra, para cuidar do acabamento, das máquinas, da manutenção dos tratores, das equipes, dos conselhos, do comando das empresas. Se elas nasceram para isso, os homens, portanto, nasceram para ficar bem quietinhos no seu canto porque agora não servem mais para muita coisa neste mundo mudado.
É isso que chamo de armadilha do machismo. Os homens não podem aprender nada com as mulheres para que ambos desfrutem deste novo tempo juntos e juntos construam um futuro melhor?  Tudo é nato, portanto, não há aprendizados, as pessoas não mudam, a não ser tomando hormônios… Estamos abandonando os homens ao mesmo tempo em que estamos resistindo a entregar o poder às mulheres na velocidade que a realidade atual exige. Estamos num tempo de vazio e de crise, de transição entre um modelo e outro.

Tempo de realizar escolhas

É tempo, portanto, de escolher se gostamos de diversidade ou de mulheres, neste sentido machista mesmo que lhes confere atributos “naturais” para estar no poder. Os homens pagam um preço alto ao se manterem no poder à custa desta ideologia machista. Parece que agora serão as mulheres que irão pagar o preço com esta virada da seta da superioridade na sua direção. Muda a seta e estamos contentes ou queremos que mude a bussola que determina quem é superior e inferior?
Podemos passar por esta “curvatura da vara” mais rapidamente conversando sobre machismo, diversidade, a realidade atual e suas exigências para todos. Podemos rever nossos conceitos machistas e acreditar que homens e mulheres podem se reinventar para estabelecer parcerias revolucionárias. Essas parcerias de tipo novo podem até mesmo reorientar nossos rumos para um futuro mais sustentável. Se há tantos avanços tecnológicos que prescindem da força bruta atribuída aos homens, há riscos demais para a vida. Tempos de transição e de decisão. Vamos para qual direção? O que você pensa sobre isso?


[1] Revista Exame 1025, de 03 de outubro de 2012 – matéria de capa: “Porque somos tão improdutivos?” – http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1025/
[2] O Fórum Econômico Mundial se reúne em Davos, na Suíça, e publica anualmente o Global Gender Gap Report – http://www.weforum.org/reports
[3] Revista Você S.A., edição 174, dezembro de 2012  – Matéria de capa: “O chefe em crise” – http://vocesa.abril.com.br/edicoes-impressas/174.shtml
[4] Instituto Ethos/Ibope – Pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas” – http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/arquivo/0-A-eb4Perfil_2010.pdf

sábado, 18 de agosto de 2012

É proibido dizer que doeu, mesmo quando está doendo e muito!

Reinaldo Bulgarelli
12 de agosto de 2012

O machismo produz impactos horríveis na vida das mulheres executivas. Elas são boicotadas, traídas, deixadas para trás, têm que escutar bobagens sobre as mulheres ou sobre elas mesmas, mas se recusam a assumir o lugar de vítimas.
Talvez façam isso por uma altivez suicida, ingenuidade ou por efeito do próprio machismo assimilado com facilidade por muitas mulheres, afinal, como sempre gosto de lembrar, o machismo é ideologia que anda por todas as cabeças e não apenas pela dos homens.
Também há a pressão da sociedade atual dizendo que ninguém no mundo das empresas e dos empreendedores pode parecer fraco, frágil, vulnerável. É proibido demonstrar dúvida, dores, medos, se arrepender de algo ou parecer que sentiu a paulada que realmente aconteceu.
Você pode sofrer traições, humilhações, boicotes, assédios, discriminações descaradas, mas é mais digno, nesta lógica esquisita dos tempos atuais, fingir que nada acontece e seguir em frente com um sorriso estampado. “Ops, passou um caminhão em cima de mim, mas não foi nada e já estou de pé novamente.”
É uma cultura estranha. Elogia-se exageradamente quem luta contra uma doença, como se a morte não fosse uma possibilidade da vida. Assumir a derrota é inaceitável e o bonito é lutar sempre até o fim. Ou fingir que está tudo bem, mesmo quando não está. A felicidade é uma obrigação e ela precisa ser ostentada o tempo todo, pegando mal demonstrar tristeza, depressão, descontentamento.
Os fortes não choram, não reclamam, não desistem jamais e, aí está o problema, podem também não querer lutar por seus direitos, denunciar injustiças, dizer que algo não vai bem. Quando se é minoria, no sentido político, de não ter voz nem vez, é honroso fingir que as barreiras não existem e demonstrar coragem ou que se é igual a todo mundo.
Mas a desigualdade está dada, a injustiça está presente. Mesmo assim, a qualquer preço, é importante dizer que se é igual a todos e que não se quer tratamento diferenciado, de coitadinho. Jamais, dizem, pareça ser diferente. O aceitável é ser igual. E lá se foi a possibilidade de adição de valor.
Somos diferentes uns dos outros e do padrão dominante. Por isso mesmo alguns de nós enfrentam barreiras e estão em situação de desigualdade ou de injustiça. Mesmo assim, o correto é não se fazer de vítima, mesmo sendo, mesmo enfrentando crueldades. O bacana é dizer que se é igual, que quer tratamento igual, que a diferença não importa.
Em país de baixa participação, com muito discurso sobre cidadania e pouca prática, todos falam em respeito aos direitos, mas quase ninguém fala das diferenças, das crueldades da discriminação e das dores da injustiça. É feio assumir-se vítima delas. Bonito é ser igual, se esforçar e, assim, vencer.
Temos quase 90% de homens em cargos executivos nas 500 maiores empresas do Brasil e isso quer dizer que as mulheres não se esforçam e por isso não chegam lá? É isso que escuto e é isso que precisamos enfrentar para mudar a realidade.
Não tem coisa mais triste que alguém se fazendo de coitadinho ou querendo ficar no lugar subalternizado que lhe foi imposto, assumindo que não nasceu mesmo para lutar e muito menos para vencer. Mas também acho que não tem nada mais horrível do que alguém querendo esconder o golpe duro que levou ou as feridas do tombo.
Não é humano e nem postura cidadã. Muito menos contribui para mudar as coisas para melhor nas organizações. Sem assumir a realidade, vivendo de fantasias, como construir organizações melhores em um mundo melhor, coisa que todo mundo diz querer?
Para as jovens mulheres que entram no mercado de trabalho por meio da legislação da aprendizagem eu sempre digo para prestarem atenção no fato de serem mulheres. Parece esquisito ter que dizer isso, mas é que elas estão dopadas pela onda individualista que ensina que o esforço é trará resultados.
Alerto para o fato de que estão entrando em território masculino, masculinizado e masculinizante. O mesmo vale para os gays, os negros, os jovens com deficiência, sem esquecer outras situações e o próprio fato de que a juventude é desprezada neste mundo adulto, adultocêntrico e adultizante, que só vê valor no que é “maduro”, experiente, pronto.
O alerta não é para construírem trincheiras, empunharem armas contra inimigos, ficarem com pé atrás, mas para assumirem o que são num mundo que não gosta do que são, preparar-se para o diálogo, para a troca, sempre a partir da realidade e não da fantasia de que tudo é lindo, lindo está e lindo ficará se houver esforço.
O padrão dominante que, aliás, é uma ficção, já anda bastante “sensibilizado” para respeitar as minorias e está até mesmo mostrando as garras sempre que alguma pequena ameaça ao seu poder se apresenta. Resta agora “sensibilizar” as minorias para deixar de querer ser igual (a quê ou a quem?) e apreciar a diversidade.
As chamadas minorias dão sua contribuição criativa e inovadora, como dizia Luther King, quando se assumem como são, denunciam o golpe sofrido, apontam problemas e participam ativamente da busca de soluções. Fora disso, é o mundo do faz de conta e mais tempo levaremos para mudar a situação atual.

* Publicado originalmente no Blog da Rede Ubuntu - http://www.redeubuntu.com.br/blog/%C3%A9-proibido-dizer-que-doeu-mesmo-quando-est%C3%A1-doendo-e-muito

sábado, 23 de junho de 2012

Quantos anos são necessários para mulheres, negros e pessoas com deficiência trabalharem em organizações mais justas?

Quantos anos são necessários?

Quantos anos são necessários para mulheres, negros e pessoas com deficiência estarem representadas adequadamente no quadro executivo das empresas no Brasil?


Por Reinaldo Bulgarelli


Peguei os dados da pesquisa do Instituto Ethos e IBOPE – Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, divulgada em novembro de 2010, para saber como andava a evolução da contratação de mulheres, negros e pessoas com deficiência de2001 a2010, período em que essa pesquisa vem sendo realizada. Não é assim que se faz contas e muito menos projeções porque a vida é mais complexa e há muitos fatores influenciando nestes dados, mas fiz o que não se deve fazer.

Peguei os dados de cargos executivos, que evoluíram 0,3 pontos percentuais em nove anos. Considerando que as pessoas com deficiência representavam 24% da população, de acordo com o Censo de 2010, e considerando que paramos de discrimina-las em 2010, fiz a seguinte pergunta: em quantos anos atingiremos a igualdade entre pessoas com e sem deficiência no quadro executivo das empresas no Brasil? Sabem qual foi a resposta? Em mil setecentos e um anos. Já imaginou se não houvesse a legislação de cotas para esse segmento? No ano de 3.711 tudo estará resolvido em termos de representação justa nos cargos de liderança das 500 maiores empresas do Brasil…

Para negros, fazendo o mesmo cálculo, a igualdade no quadro executivo acontecerá daqui a 149 anos e para as mulheres em 42 anos. As mulheres, desde que não sejam negras e sem deficiência, porque aí a conta seria outra, estão em melhor situação, ou seja, em 2052 elas poderão comemorar o fim da disparidade entre homens e mulheres na liderança das empresas. Se nada for feito, se deixarmos as coisas andarem “naturalmente”, assim será. Já fez as contas para saber quantos anos você terá? E suas filhas? Tem coragem de dizer a uma mulher que está ingressando agora no mercado de trabalho que em 42 anos ela não enfrentará mais barreiras e até poderá ocupar “naturalmente” cargos de liderança importantes nas empresas?

Volto a dizer que é um exercício de ficção científica porque a vida é complexa e também encontra soluções cada vez mais inteligentes para aquilo que a sociedade elege como prioritário. Assim eu acredito porque somos capazes de tantas coisas boas. Depende de nossa vontade para priorizar esse tema da equidade, da valorização da diversidade e da inclusão.

Estamos priorizando enfrentar as desigualdades injustas? Já não nos conformamos mais com estes dados e buscamos dar respostas que modifiquem a realidade atual? Paramos de transformar diferenças em motivo para a geração dessas desigualdades injustas? Eu acredito que estamos agora lidando melhor com esses temas. A decisão do STF sobre cotas para negros nas universidades é um exemplo que me deixa otimista. Mas, ainda tem muita gente no mundo empresarial que acredita que tudo se resolverá naturalmente.

Como poderemos resolver com tanta naturalidade o que criamos e mantemos com tamanho gasto de energia? Sim, tenho apresentado constantemente essa ideia de que gastamos mais energia (tempo, dinheiro, inteligência…) para excluir, para criar processos, sistemas e estruturas para deixar alguns do lado de fora, do que gastaríamos para a inclusão. Fazemos de tudo para afastar nossas organizações da diversidade.

Parando de atrapalhar o caminho das pessoas já teríamos um bom resultado. Custa caro incluir? E quanto custa ficar criando esse aparato da exclusão? E o custo de deixar parte do mercado interno excluído do trabalho? Nem estou falando no sofrimento que isso representa para as pessoas apartadas, assim como não estou falando de trabalho decente, de equiparação salarial, de qualidade de vida para todos, sem disparidades entre pessoas com e sem deficiência, homens e mulheres, brancos e negros.

Também não estão falando aqui do prejuízo para as empresas do ponto de vista do empobrecimento que significa, por exemplo, 87% de homens tomando decisões importantes sobre o presente e o futuro delas. É o dado que temos hoje nas 500 maiores empresas.

A diversidade enriquece os ambientes e melhora a qualidade das decisões ao trazer mais perspectivas, pontos de vista, interesses, histórias de vida, entre outros aspectos, para a mesa de discussões. O planejamento estratégico é afetado diretamente por uma rica diversidade que possa se expressar e interagir. Quando isso não acontece, o risco da mesmice, a visão limitada sobre a realidade e a qualidade da ação sobre essa realidade podem comprometer o sucesso dos empreendimentos. Parece óbvio, mas essa ausência de alguns de nós incomoda muita gente, mas não tanta gente quanto seria necessário para mudar mais rapidamente essa realidade.

E você, o que acha que poderia ser feito? O que poderíamos deixar de fazer ou fazer mais e melhor para acelerar as transformações na direção de maior diversidade nas empresas brasileiras? O que você tem feito para contribuir nesta mudança?

domingo, 21 de março de 2010

Fundação Cultural Palmares

Hoje, dia 21 de março, é o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Segue link para artigo de Juscelina Nacimento, no site da Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, contando a história desta data e sua importância. Fundação Cultural Palmares