domingo, 9 de fevereiro de 2014

Direitos Humanos LGBT e empresas


Direitos humanos LGBT e empresas
Reinaldo Bulgarelli, 26 de janeiro de 2014

 Em 2013 dediquei muito tempo e energia no tema dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Não é de hoje que a Txai vem trabalhando o tema e articulando empresas e organizações governamentais e não governamentais para garantir, com prioridade, visibilidade às pessoas trans (travestis e transexuais). É um segmento que enfrenta muita discriminação no mercado de trabalho.

Em relação há alguns anos atrás, as pessoas LGBT estão mais presentes nas empresas e trazendo reinvindicações das mais variadas, enriquecendo o repertório de soluções que gestores empresariais devem oferecer no seu cotidiano. Uma travesti deve utilizar o banheiro masculino ou feminino? Feminino, evidentemente, porque trata-se de uma mulher e ponto. Mas, nem tudo é tão simples e o processo de interação com o tema avança onde há diálogo, abertura e compromisso para com os direitos LGBT, em sintonia com a identidade da empresa, ou seja, sua missão, visão, princípios ou valores.

Tivemos avanços significativos neste tema dos direitos LGBT no meio empresarial. Em diálogo com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social durante alguns anos, finalmente entendeu-se que era hora de sair uma publicação para orientar as práticas das empresas.

Juntamente com Beto de Jesus, ativista na área e parceiro da Txai em alguns projetos de consultoria, ficamos responsáveis pela pesquisa e redação da publicação, que compõe o conjunto de manuais sobre diversidade e diferentes segmentos da população. O Manual está disponível no site do Instituto Ethos: http://www3.ethos.org.br/cedoc/ethos-e-a-responsabilidade-social-das-empresas-com-os-direitos-lgbt/#.Ut6dbe9Tv3g

Foi lançado no mesmo dia, 10 de dezembro de 2013, um vídeo com depoimentos de executivos e profissionais das empresas abordando a questão dos direitos LGBT na perspectiva do mundo empresarial. O vídeo está disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=V9zITBf7KmU

Paralelamente, Beto de Jesus foi convidado pela OIT, PNUD e UNAIDS, organizações da ONU, para elaborar um material para o mundo empresarial e sindical com o mesmo tema. Ele deve ser lançado em 2014 e traz histórias para incentivar o diálogo nas organizações em torno da questão de gays, lésbicas, travestis, transexuais e pessoas vivendo com HIV/AIDS.

É um grande passo destas organizações e que reafirma o que vem sendo dito pelo secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, sobre os direitos humanos LGBT: “Alguns vão se opor à mudança. Eles podem invocar a cultura, a tradição ou a religião para defender o status quo. Tais argumentos foram usados para tentar justificar a escravidão, o casamento infantil, o estupro no casamento e mutilação genital feminina”, afirmou, adicionando: ”Eu respeito a tradição, a cultura e a religião — mas elas nunca podem justificar a negação dos direitos básicos”.

Para dar suporte às publicações e voz às pessoas que atuam no meio empresarial, executivos, profissionais de diferentes áreas, homossexuais ou não, a Txai tomou a iniciativa de criar o Fórum de Empresas e Direitos LGBT. Ele reúne atualmente mais de 40 empresas participando das reuniões e discutindo temas como empregabilidade trans, religião, processos de gestão de pessoas, entre outros.

Para que a conversa tivesse um rumo e se concretizasse numa agenda de trabalho para as empresas, o Fórum aprovou 10 Compromissos da Empresa com os Direitos LGBT:

1.      Comprometer-se – presidência e executivos – com o respeito e a promoção dos direitos LGBT.

2.      Promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBT.

3.      Promover ambiente respeitoso, seguro e saudável para as pessoas LGBT.

4.      Sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBT.

5.      Estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade LGBT.

6.      Promover o respeito aos direitos LGBT na comunicação e marketing.

7.      Promover o respeito aos direitos LGBT no planejamento de produtos, serviços e atendimento aos clientes.

8.      Promover ações de desenvolvimento profissional de pessoas do segmento LGBT.

9.      Promover o desenvolvimento econômico e social das pessoas LGBT na cadeia de valor.

10.   Promover e apoiar ações em prol dos direitos LGBT na comunidade.

 O plano de ação do Fórum para 2014 está sendo implementado com a criação de um comitê gestor constituído por representantes de algumas das empresas participantes do Fórum: Alcoa, BASF, Caixa, Carrefour, Dow, Google, HSBC, IBM, P&G e PwC. Além de envolver executivos da área de gestão de pessoas, responsabilidade social e outras, em 2014 teremos uma presença maior dos presidentes das empresas, demonstrando a importância do tema o mundo empresarial brasileiro.

A perspectiva de direitos humanos confere ao Fórum e aos materiais que estão sendo produzidos a sintonia com uma agenda mais ampla, global e que sustenta práticas socialmente responsáveis no âmbito dos negócios com o segmento. Muitas novidades teremos sobre esse tema no ano que está apenas começando.

Publicado originalmente, em 26 de janeiro de 2014, no Blog do Guilherme Bara: http://www.blogdoguilhermebara.com.br/author/reinaldo-bulgarelli/

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Respeito e ambiente de trabalho sustentável


Respeito e ambiente de trabalho sustentável

Reinaldo Bulgarelli
08 de fevereiro de 2014

Ao longo destes anos todos em que me dedico à consultoria, um dos temas que trabalho é o do respeito. As empresas multinacionais, por exemplo, me convidam para adaptar programas desenvolvidos na matriz para a formação da liderança. Lá vou eu para a sala de aula falar sobre respeito, inclusão, enfim, cuidado com a qualidade das relações.

Também me convidam para elaborar políticas de respeito às pessoas e para construir sistemas internos que lidem com reclamações dos profissionais ou outros públicos, até mesmo clientes, visando resolver da melhor maneira, com justiça, seriedade, aquilo que pode estar sendo “jogado para baixo do tapete”.

O Instituto Ethos realizou em 2013 um importante evento com o tema “Mecanismos de Reclamação e Diálogo”. Veja o link para o boletim do Ethos no qual o presidente escreveu sobre o evento: http://www3.ethos.org.br/cedoc/direitos-humanos-e-mecanismos-de-reclamacao-e-dialogo-qual-o-papel-das-empresas/#.UvaUEbuPL3h . E o link para o vídeo no Youtube com um trecho do evento no qual atuei como mediador: https://www.youtube.com/watch?v=5hobsVpDOtg .

Em geral, já encontro a demanda com uma abordagem positiva do tema, tratando da questão do respeito como forma de promover o trabalho decente, de ser proativo em práticas de promoção dos direitos humanos. Eu me identifico com essa abordagem que diz a que veio e não apenas o que rejeita. Queremos promover direitos humanos, trabalho decente, relações de qualidade e, portanto, relações sustentáveis para um mundo sustentável.

As abordagens com viés negativo, que tratam do que não se quer, em geral não ajudam a mobilizar as pessoas para este horizonte positivo que todos enxerguem como resultado do esforço coletivo no presente. Se as pessoas enxergam os benefícios, constroem imagens sobre o ambiente de respeito, ele passa a fazer mais sentido, ganha significado e, assim, se torna valor. Valor é o que pesa na hora de tomar decisões, de realizar escolhas, portanto, respeito passa a ser uma forma de se conduzir nos relacionamentos com todas as pessoas, em todas as circunstâncias, sem nada que justifique a prática do desrespeito.

Essas abordagens fixadas no que não se quer são aquelas que produzem workshops ou cartilhas para falar de assédios, discriminação, abuso de poder, desrespeito, grosserias, como evitar riscos e assim por diante. É uma questão de estratégia, de visão de mundo ou maneira de encarar processos educativos essa de colocar o que não se quer subordinado ao que se quer, o que se pode ter de ganhos com isso e ganhar as pessoas por aquilo que elas acreditam ser bom para elas, não apenas para “os outros” ou para a organização.

Trabalhar com o tema do respeito é uma das coisas que mais me traz prazer e também aprendizados. Além de lidar com planos no plano macro, vamos dizer assim, gosto das possibilidades que o tema me traz para conhecer melhor nossa condição humana, as coisas incríveis que somos capazes de fazer e as coisas mais absurdas que, contando, ninguém acreditaria.

Tudo é humano e as organizações que lidam como a vida como ela é sabem disso, querem colocar o assunto na mesa, gerar aprendizados com o que aconteceu de errado e enfrentar as esquisitices de todos (esquisitos somos todos, como me disse uma amiga em referência ao meu livro “Diversos Somos Todos”).

Essas organizações percebem que é preciso ter uma visão generosa das pessoas, investir não apenas na punição, mas na reinvenção das relações após um incidente. Se for muito grave, a porta da rua é a serventia da casa, como dizem alguns, mas sempre com dignidade e profundo respeito até mesmo por quem pisou na bola de maneira irrecuperável para a organização. Respeitar é não divulgar fatos, nomes, motivos, fazer fofoca e até a vítima do desrespeito deve ser coerente com sua dor e promover no mundo o que lhe foi negado.

Mas, 99% das reclamações tratam de questões que podem e devem ser resolvidas rapidamente, com justiça e com reafirmação do respeito, sempre. É muito difícil tudo isso numa sociedade que privilegia o desrespeito como forma de exercício do poder, de ostentar cargos ou supostas superioridades de gênero, raça, classe social e assim por diante.

Também é complexo falar de respeito como forma de ser e de se conduzir no mundo quando algo acontece porque muita gente “quer ver sangue”. A ideia de restaurar, reinventar, seguir adiante com novas bases com combinações parece estranha diante de um mundo que gosta da exclusão. Excluir da vida é mais fácil e prático, reciclar dá trabalho. Assim como acontece com o lixo, não existe essa história de jogar fora porque estamos no mundo, ele é redondo, a gente se encontra de um jeito ou de outro.

Gosto de aprender com as empresas que me chamam para lidar com o tema do respeito. Promover respeito parece tão óbvio e nem deveria ser necessário explicitar motivações. Mas vejo que essas empresas acreditam basicamente em duas coisas: excelência e confiança. Elas entendem que é preciso oferecer resultados de qualidade pautados pela excelência em tudo que fazer, em suas entregas e, portanto, no trabalho de cada profissional da organização. Também entendem que relação de qualidade no ambiente interno é expressão do que buscam com os clientes, o que o que depende totalmente da confiança.

Um bom profissional é avaliado pela excelência de seu trabalho e pela relação de confiança que ele estabelece com as pessoas. Pode ter excelência o trabalho de um profissional que não se pauta pelo respeito? Ao desprezar uma pessoa, está desprezando um mundo, outras perspectivas e possibilidades, empobrecendo sua própria contribuição e sua capacidade de evolução.

Pode ser confiável um profissional que não cuida da qualidade de suas relações? Ao não ter respeito por todas as pessoas e em todas as circunstâncias, não é mais confiável, compromete as relações e a qualidade do seu trabalho. A principal virtude de um bom profissional é o respeito porque não há excelência sem confiança, assim como não há confiança sem excelência. Investir em relações de qualidade entre as pessoas de todos os públicos ou stakeholders de uma organização, é um princípio e uma prática que adiciona valor a todos.