domingo, 26 de outubro de 2014

Antes de raiar o dia

Antes de raiar o dia
Reinaldo Bulgarelli
26 de outubro de 2014

Aqui na rua acontece de tudo. Tem um bar que reúne os jovens e os não tão jovens. Eles chegam ao comecinho da noite e ficam até de tarde do dia seguinte. O cheiro de cerveja, xixi, maconha e desespero vão longe.

A moça do escritório em frente levou um soco no rosto de um maluco desses. Doeu, machucou e ela, briguenta, levou o sujeito para a delegacia, apesar do protesto dos demais. No dia do batizado do meu neto, ele estava todo arrumadinho e a família desfilando com muita pompa de casa até a igreja. Vimos uma moça tirar a roupa para fazer xixi no meio da calçada, bêbada e jogando pragas. A moça pelada é assunto para o resto da vida.

Assim é o bar do lado de casa. Brigas e facadas, polícia, propina e muita droga é o que tem neste lugar, retrato de muitos cantos do nosso país. Nunca vi nenhum pastor passar por ali para converter os infiéis da Rua Augusta. Se algum tentou, não deve ter sido fácil. Fácil mesmo é acolher um desses jovens quando quer sair do alcoolismo e das drogas, dos dias sem nada para fazer, a não ser ficar malucando na porta do bar.

Depoimentos emocionantes na igreja e um palco para aqueles que mudaram de vida, que falam do passado com dor, lamentando o que foram e fizeram. É isso que estou chamando de fácil. E quem os amava e acolhia enquanto estavam ali mergulhados na cerveja e no xixi?

Lembrei-me dos anos e anos em que passei trabalhando com crianças e jovens em situação de rua no centro de São Paulo. Lembrei-me dos educadores sociais de rua que estão pelo Brasil a fora fazendo este trabalho de estar com aqueles que ainda não contam sua história no tempo passado.

Estou agora engajado em um projeto para ampliar a empregabilidade de ex-detentos. São pessoas que cumpriram penas no sistema prisional e que não encontram oportunidade no mercado formal de trabalho. O que eu disse ser fácil, não é tão fácil assim. Mesmo para estes que estão dizendo que não querem voltar para o mesmo lugar, que querem uma chance para se reinventar, as portas do mercado de trabalho oferecem restrições: queremos saber dos antecedentes criminais. Deveriam prioriza-los, mas, ao contrário, fecham as portas. Temos muito que fazer para mudar isso.

Mas, quem é que se dedica a visitar os presos, principalmente aqueles que ainda não demonstraram nenhum interesse em mudar de vida e ingressar no mercado de trabalho? Quem é que os visitam e trabalha para ampliar suas possibilidades e escolhas, com ou sem moralismo, trabalhando com desenvolvimento humano? Quem é que lida com “essa gente” dizendo que têm valor, como os jovens aqui do bar vizinho, mesmo enquanto ainda não se bandearam para o lado definido como decente?

Difícil mesmo é ver valor naquele sujeito que deu o soco na moça do escritório, a outra doidona que fazia xixi no meio da rua e o outro que esfaqueou o colega por um motivo qualquer. Na minha experiência com as crianças e jovens em situação de rua, aprendi que isso faz toda diferença. Se a pessoa quer ficar ali, num tempo que pode ser maior que a minha vida ou até o limite da vida dela, mesmo assim a gratuidade da presença passa mensagens poderosas.

É o olhar, o gesto e essa presença dizendo algo essencial para qualquer escolha que se possa fazer nesta vida: você tem valor, dignidade e merece respeito em qualquer circunstância. Se quiser mudar, se não quiser, mesmo assim, antes e acima de tudo, você tem valor. Era isso que dizíamos, às vezes sem dizer nada, para aqueles que estavam na rua, nem sempre só pobres, nem sempre só violentos ou drogados.  O que havia de comum era a falta de perspectiva, um projeto de vida, um propósito de verdade que fosse além da sobrevivência no dia presente.

Na falta de perspectiva, faz toda diferença ter alguém sinalizando que você tem valor hoje, agora, neste instante. A perspectiva é construída numa mão estendida, numa oportunidade e numa escolha que acontece dentro da gente.

O que vem antes? Não tem antes e nem depois. É tudo junto e ao mesmo tempo porque estamos falando de gente. Alguns se reconstroem por dentro a partir da vivência da oportunidade, incluindo erros e acertos, idas e vindas. Alguns se reinventam primeiro no silêncio de uma escolha que acontece dentro. Aí, depois disso, é que passam a buscar as oportunidades e as condições de seu desenvolvimento.


Uma sociedade que lida apenas (e muito mal) com quem foi capaz de reinventar-se, por motivos religiosos ou outro qualquer, não lida direito com nada que seja significativo ou sustentável. O bom mesmo é reconhecer uma pessoa onde tudo em volta e tudo dentro diz que ali está uma besta sem qualquer humanidade. Minhas homenagens aos que visitam os presos, aos educadores sociais de rua, aos que se dedicam a estar naquele lugar que cheira a xixi e naquele momento turbulento do dia que ainda não raiou.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Os avanços na temática LGBT no ambiente empresarial

Os avanços na temática LGBT no ambiente empresarial
Reinaldo Bulgarelli
03 de outubro de 2014


A Txai Consultoria e Educação (eu, Bruna Douek e Beto de Jesus) foi responsável pela elaboração do Manual da ONU sobre direitos LGBT no mundo do trabalho, lançado no último dia 30 de setembro.

Nos últimos dois anos, demos prioridade aqui na Txai para a temática dos direitos LGBT e estamos colhendo os resultados destes esforços.

Temos duas publicações para o meio empresarial no tema (do Instituto Ethos e da ONU); temos um Fórum (Fórum de Empresas e Direitos LGBT, hoje com mais de 80 grandes empresas e um Comitê Gestor com 11 empresas), uma agenda de trabalho (10 Compromissos da Empresa com os Direitos LGBT, com indicativos de ação e indicadores de profundidade); marcador de livro com 10 Compromissos (amplamente divulgado nas reuniões e atividades do Fórum); um vídeo com duas versões (Instituto Ethos, disponível no espaço deles no Youtube); cartazes para sensibilização no tema (ONU); a Carta de Adesão ao Fórum e aos 10 Compromissos (em discussão no Comitê Gestor do Fórum para assinatura em 10 de dezembro próximo); vários cases empresariais demonstrando amadurecimento e boas práticas nesta questão; ampla cobertura da imprensa para essas ações.

O meio empresarial avançou significativamente na questão da orientação sexual e identidade de gênero, ganhando também a responsabilidade ainda maior de ajudar a sociedade toda a também realizar avanços no que diz respeito à igualdade de oportunidades e de tratamento; enfrentamento firme e efetivo da homo-lesbo-transfobia; promoção de ações afirmativas em várias áreas ou relacionamentos da empresa, priorizando travestis e transexuais; promoção de uma cultura de respeito aos direitos humanos LGBT, o que envolve organizações mais inclusivas e engajadas.

Muito orgulho de mais uma atividade da Txai que está contribuindo em temas de difícil abordagem no meio empresarial e na sociedade em geral.


Segue abaixo link para matéria no site da ONU e para a publicação lançada no último dia 30/09/2014.
http://www.onu.org.br/onu-lanca-manual-sobre-direitos-lgbt-no-mundo-do-trabalho/