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sábado, 30 de abril de 2016

Experiência é mesmo importante na hora de contratar alguém?

Experiência é mesmo importante na hora de contratar alguém?

Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação
30 de abril de 2016

Na minha idade e com 38 anos trabalhando com temas relacionados a desenvolvimento, direitos humanos, gestão, gente, tenderia a me valorizar e dizer que experiência é tudo. Mas, não é. Focar em experiência e não em potencial é um erro gigante.

É um erro em si e também um erro que atrapalha a realização das mudanças na demografia atual do ambiente empresarial. Ela é majoritariamente branca, masculina e sem deficiência, entre outras características. Como mudar se o que é valorizado é exatamente o que fará esse cenário se perpetuar?

Experiência é importante, mas tem que ser relativizada e o valor do potencial deve estar mais presente. Risco? O risco está na homogeneidade. O trabalho em equipe permite compor times onde a inexperiência e a experiência podem ser dosadas no tamanho da missão da área e dos desafios que enfrenta.

Inexperiência soa como incompetência e não é. Inexperiência também não é atributo apenas dos jovens. Depende da pessoa estar assumindo algo novo em sua vida e isso pode acontecer com 20 ou com 60 anos. Também se confunde inexperiência com imaturidade. Nem todo experiente é maduro e nem todo inexperiente é imaturo.

Quer outra confusão? Experiência com excelência. Excelência pode estar ligada à experiência, mas nem sempre e nem com todas as pessoas. A primeira vez de alguém numa tarefa pode surpreender. Também não é bom colar automaticamente na experiência atributos como honestidade, ética, bom relacionamento. São coisas independentes que podem estar ou não relacionadas com experiência.

Experiência também não tem a ver com inovação. A inovação pode vir ou não da experiência. Os mais jovens e os mais velhos de idade sofrem com isso. Tem gente que diz que os mais velhos de idade são incapazes de inovar e tem gente que diz que só os mais jovens são capazes disso, o que joga nas costas deles uma responsabilidade injusta. Idade, experiência e inovação são três coisas diferentes.

Olha quanta coisa para atrapalhar o caminho da transformação! Sempre digo que não se faz uma empresa só com astronautas da NASA. São profissionais muito qualificados de uma organização incrível, mas só com um time de astronautas não se chega na Lua. É preciso muita gente para chegar lá, com uma pluralidade de competências e perfis que interagem e cooperam para isso.

Além disso, um time de astronautas pode entender de muitas coisas, mas não entende de tudo. O mais inexperiente de um grupo pode enxergar coisas que outros não enxergam. O melhor mesmo para uma organização é a diversidade porque ali até a inexperiência pode fazer a diferença na hora de construir uma solução, achar uma saída, propor melhorias ou novos caminhos.

Não é porque a pessoa inexperiente seja melhor, mas porque é diferente do padrão imposto e porque é a gestão da diversidade que irá promover a colaboração, o trabalho em equipe, a interação para que seja efetivamente excelente, criativa, inovadora, pronta para entregar os resultados esperados e até superar expectativas.


Há gestores que olham para a equipe e consideram a diversidade ali presente, incluindo a questão da experiência, tempo de vivência num determinado trabalho ou atividade. Com base nesse olhar é que decidem a importância que o quesito experiência irá ter na próxima contratação, entre tantas outras questões a serem consideradas. 

Colocar a experiência como uma exigência eterna, automática, para todas as vagas, todos os postos, todas as situações, pode levar as empresas à mesmice e ao fracasso. Abaixo a confusão com o conceito de experiência e viva a diversidade!

segunda-feira, 7 de março de 2016

Você quer promover a igualdade entre homens e mulheres na sua empresa?

Você quer promover a igualdade entre homens e mulheres na sua empresa?
Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação
08 de março de 2016

Algumas dicas que passo agora, entre tantas outras, mas que podem fazer a diferença em sua empreitada.

1. Não diga que há tarefas “naturalmente” de homens e outras de mulheres. Não há nenhuma atividade no mercado de trabalho que possa ser realizada com base no sexo das pessoas. É uma afirmação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em convenções e tratados que enfrentam a discriminação e promovem igualdade, como a Convenção 100 e 111, por exemplo.

2. Não diga que não há mulheres numa determinada atividade porque ali é necessária a força física. Primeiro, porque é preciso olhar se a atividade cotidiana exige mesmo força física e se essa força está dentro dos parâmetros legais. Se está fora dos parâmetros legais, de saúde e segurança, este é o problema e não as mulheres. Segundo, porque há homens fracos e mulheres fortes. Quando ela é necessária, portanto, coloque foco na força e não no sexo. A força não é um atributo apenas masculino, mesmo que na média os homens tenham mais força do que as mulheres. Você não vai criar uma maga para homens só com base na média. Você contrata pessoas e não “médias”.

3. Não diga que uma atividade é insalubre para as mulheres, que pode colocar a saúde dela em risco. Se há problemas para a saúde das mulheres, há problemas para a saúde dos homens, incluindo a saúde reprodutiva. Melhore o ambiente de trabalho para todos e todas sem usar o risco para discriminar as mulheres. Sim, a gravidez é das mulheres e o bebê pode ter problemas em certos ambientes, portanto, cuide do ambiente, dos homens e mulheres que ali estão, sem usar o grave problema que tem para discriminar as mulheres. 

4. Não diga que as mulheres são um problema para o sucesso da empresa porque elas engravidam. Uma empresa que não incorpora nas práticas de gestão um fato da vida não é uma empresa séria e não vai alcançar sucesso por não ser séria, competente, e não por causa da gravidez das mulheres. Avalie, compare e descubra quem tira mais licença e quem fica mais tempo de licença do trabalho. Se for os homens, como tende a ser, não os descarte por que isso não é promover a igualdade entre homens e mulheres.

5. Não diga que a empresa tem foco no mérito e adora a meritocracia se a liderança não é capaz de inibir e até punir gestores que, por exemplo, solicitam à área de recursos humanos para contratar mocinhas mais bonitinhas. Portanto, acredite, não é apenas a gravidez um problema para a gestão empresarial, mas também a aparência das pessoas, sobretudo das mulheres. Elas são muito exigidas quanto a isso, como se fosse uma competência essencial ter as unhas pintadas e com a cor imposta pelo dress code da empresa.

6. Não diga que é preciso matar os homens ou "aperfeiçoar" as mulheres quando há um problema na cultura da empresa. Essa cultura é masculina, com grande número de homens dentro dela, é também masculinizada nos rituais e masculinizante na opressão que exerce sobre as mulheres e também sobre os homens para que todos sejam à imagem e semelhança do homem idealizado pelo machismo. Empoderar as mulheres não é fim, é meio para transformar a cultura organizacional e não para se ter mulheres fortes, à imagem e semelhança dos homens. Empoderar os homens pode parecer desnecessário, já que são 90% mais ou menos dos que mandam nas empresas, mas o sentido aqui é tomar nas mãos a própria vida e não viver sob as “ordens” do machismo.

7. Não diga que a empresa promove igualdade entre homens e mulheres porque isso dá retorno financeiro para os acionistas. É óbvio que dá, mas chegar a esse ponto é aviltante para você, para todos os homens e mulheres de sua vida. Há coisas que não devem ser feitas porque adicionam valor, dão lucro, mas porque devem ser feitas e ponto. Promover a igualdade diante de um mundo no qual ela não está dada e ainda precisa ser construída não é favor algum aos acionistas, apesar de todos os benefícios que isso traz para todo mundo. É justo, é ético, é princípio, é valor e não deveria estar subordinado à lógica do lucro, mesmo quando ele é evidente.

8. Não diga que as mulheres são o enfeite de sua empresa, as coisas belas que tornam o duro mundo do trabalho mais lindo, que deseja força para elas como se não tivesse nada a ver com o machismo que elas enfrentam. Não diga isso ou coisas parecidas com isso, sobretudo no dia internacional da mulher, porque você vai passar vergonha e nem vai poder reclamar. Pisou na bola mesmo e não tem o que fazer, a não ser se desculpar e rumar o mais rapidamente possível para o século XXI. Pensa que é brincadeira? Já participei de evento onde o presidente disse tudo isso e mais um pouco...

9. Não diga que está trabalhando pela igualdade entre homens e mulheres como se a “categoria” mulher fosse homogênea, um mundo fechado em si mesmo. Há diversidade dentro desse universo comum pinçado entre tantas outras características de uma pessoa. Há também desigualdades dentro dessa diversidade que são transpassadas por questões como raça/cor, idade, aparência, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, religião, regionalidades, classe social e tantas outras. Quando estiver trabalhando pela igualdade entre homens e mulheres, lembre-se das mulheres negras, das mulheres trans, das mulheres lésbicas, das empregadas domésticas, das mais velhas, das mais jovens, das mulheres do norte e nordeste, das mulheres pobres... Só interessa a carreira da mulher rumo a cargos mais elevados na empresa? É muito pouco. Há mais coisas a serem enfrentadas para garantir que chegar lá seja o resultado de uma transformar maior do que apenas o tamanho da sala que elas ocupam.

10. Não diga que naturalmente as coisas vão se resolver, como se estivesse falando sobre a temperatura do final de semana, que o verão vai chegar um dia e que poderá chover ou fazer sol amanhã. Nem essas coisas existem sem a interferência humana, portanto, desnaturalize o que está ao seu alcance fazer. É preciso ações afirmativas para interferir nos rumos e ritmos da gestão empresarial. É preciso gestão e não contemplação passiva diante das desigualdades porque elas estão exigindo ação, pressa e qualidade nos meios ou métodos para se promover a igualdade como algo essencial para o sucesso da organização, das pessoas, da sociedade.

Uma novidade no horizonte da valorização da diversidade de gênero: Eles por Elas (He for She) - Movimento de Solidariedade da ONU Mulheres pela Igualdade de Gênero

Uma novidade no horizonte da valorização da diversidade de gênero: Eles por Elas (He for She) - Movimento de Solidariedade da ONU Mulheres pela Igualdade de Gênero
Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação
08 de março de 2016

A grande novidade dos últimos anos na promoção da igualdade entre homens e mulheres é o movimento Eles por Elas, da ONU Mulheres. Ele fala diretamente com os homens e busca abrir espaço para que expressem também sua indignação contra o machismo. E nós homens temos algumas tarefas nesta história.

Pensando em casais de homens e mulheres, casamentos entre pessoas de sexo diferente, assim como na realidade do trabalho, seguem aqui algumas poucas dicas só para ilustrar as possibilidades de atuarmos pela igualde:

1. Deixar de prejudicar as mulheres, de colocar o pé na frente para que tropecem. Isso acontece quando não defendemos oportunidades iguais, quando não ligamos se ganham menos do que nós só por serem mulheres. Colocar o pé na frente é colocar barreiras para sua entrada em atividades que dizemos ser apenas para homens. É impedir seu desenvolvimento na carreira porque defendemos com firme convicção que apenas os homens nasceram para mandar. Tire o pé do caminho das mulheres!

2. Também podemos nos educar, desenvolver a crença de que a igualdade é possível, desejável, coisa básica para se promover em todos os lugares, incluindo o mercado de trabalho, mas não apenas. Educar filhos e filhas para a igualdade é tarefa difícil num mundo machista, mas não é impossível. Os homens têm um papel importante na educação dos filhos e filhos para este mundo que precisa transcender o azul e o rosa como uma prisão para meninos e meninas. Se lhe perguntarem se o brinquedo que quer comprar é para menino ou menina, diga que é para brincar. Se o sexo for importante na brincadeira, sinal de que não é apropriado para crianças.

3.     Vá para casa! Se as mulheres foram para o mercado de trabalho, é óbvio que os homens precisam ir para casa. Se as mulheres estão ganhando seu próprio dinheiro, não estão vivendo com mesada do marido ou se estão dividindo os ganhos, é importante que os homens dividam também as responsabilidades no campo da casa, da família, do cuidado com o bem-estar de todos. Não se esqueça de seus pais, sogros ou parentes idosos. Não é ajuda, é responsabilidade compartilhada. Não aprendeu a lavar roupa? Desenvolva-se, aprenda, faça curso, se for preciso, mas não use sua falta de competência como desculpa para sobrecarregar as mulheres.

4.     Saiba ganhar o mesmo que a mulher, saiba ganhar menos, saiba reconhecer que a carreira dela é mais importante quando isso acontecer, saiba ficar desempregado e depender dela e sem que nada disso abale o casamento ou o amor entre vocês. Não destrua uma relação por conta de visões sobre o papel do homem como provedor. É uma visão que nada ajuda na vida do casal. Elas estão cada vez mais buscando parceiros e não provedores, já que foram para o mercado de trabalho. Saiba, enfim, ser parceiro, com tudo que isso significa.

5.     No trabalho, saiba ser chefe, subordinado ou parceiro de uma mulher sem desqualifica-la por ser mulher, sem achar que está roubando o lugar de um homem e sem condescendências, portanto, como se estivesse fazendo um favor por não prejudica-las, já que não é machista. Avalie uma pessoa por seus erros e acertos, mas não os atribua ao sexo.

6.     Não atrapalhar o desenvolvimento de uma mulher no trabalho não é um favor, é um dever. Apoiar o desenvolvimento da mulher no trabalho, não é um favor, é um dever. E é um dever no campo da ética. Não precisa justificar que isso melhora o desempenho da empresa e enriquece acionistas, apesar de ser verdade. O motivo é anterior, está relacionado ao que é essencial para a vida e não ao que é estratégico para a empresa. Se for apenas estratégico, e não essencial, pode ser periférico, não importante, retirado ou modificado, como tudo que é apenas estratégico ou um caminho para se alcançar bons resultados.

Nem é preciso dizer, mas é importante que se diga um grande não à violência física contra as mulheres. Também à violência psicológica, que está presente mais do que pensamos no cotidiano de tantas mulheres. Mas, a violência física é a expressão cruel do machismo que se caracteriza por este sentimento de posse do copo da mulher a ponto de lhe impor castigos físicos. É um problema imenso no mundo todo, portanto, pode estar presente em sua rua, em sua vida.

E nem é preciso lembrar também que a ênfase aqui é dada aos homens, mas sendo o machismo o inimigo comum a homens e mulheres, claro que há muitas mulheres que fazem esse jogo de opressão e muitos homens que não o fazem.

Eles por Elas pode significar mais do que um grupo de homens ajudando mulheres ao não atrapalhá-las ou ao promover condições para seu desenvolvimento dentro deste mundo machista.

Pode e deve significar um grande não ao machismo como algo estruturante na forma de vivermos em sociedade, na forma de ser, de fazer as coisas, de pensar a vida e de se relacionar. É o enfrentamento do machismo na prática e não no discurso, mas é importante romper com a ideia de que nós, os homens, estamos dando uma mãozinha para as mulheres. Eles por Elas é muito mais do que uma ajudinha de alguém que continuará usufruindo de privilégios e que está disposto a discutir a relação, reconstruir as estruturas, reinventar o mundo sobre outras bases que não o machismo.

Há homens e mulheres que vivem aprisionados num modelo machista porque pensam que ele é “natural”, quando não é nada natural ou do campo da natureza. Assim sempre foi e assim sempre será, pensam os aprisionados, como se a natureza fosse algo que vivesse com leis próprias longe da interferência humana. Há homens e mulheres que enxergam possibilidades de ser, fazer e se relacionar de maneira diferente do que o machismo impõe. É porque entendem que estamos lidando com algo no campo das relações sociais e que podem ser modificadas, reinventadas, transformadas.

Há liberdade para além do sexo e gente que consegue enfrentar o machismo a partir de sua condição de homem e de sua condição de mulher, lugares diferentes nesse enfrentamento, mas que podem compartilhar do mesmo objetivo. Apesar de ainda não termos no mundo nenhum país que viva igualdade plena e total entre homens e mulheres, é possível sonhar com esse lugar porque muita gente o está construindo.

As utopias nos arrastam pelo caminho do futuro e se aprimoram quando nos aproximamos do que foi idealizado. Será a igualdade entre homens e mulheres uma utopia? Que bom que somos capazes de uma utopia como essa. Sem trabalho, sem agir, não se sai do lugar e ainda se faz uma grande cratera no caminho para o futuro.

*Conheça o movimento Eles por Elas (ONU Mulheres Brasil): http://www.onumulheres.org.br/elesporelas/

Dia da Mulher: a promoção da igualdade nas empresas

Dia da Mulher: a promoção da igualdade nas empresas
Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação
08 de março de 2016

Este artigo, pensado para pessoas que estão inseridas no mundo das empresas, tenta apresentar algumas ideias que atrapalham o caminho e outras que podem nos ajudar a seguir adiante e mais rapidamente.
Feminismo.

O que é ser feminista? É ser a favor da igualdade entre homens e mulheres. Tão simples, mas tem sido difícil construir essa igualdade, tanto é que estagnamos em alguns pontos e precisamos de novas abordagens e estratégias para avançarmos. 

Quando somos feministas e defendemos a igualdade entre homens e mulheres, estamos apenas colocando em prática o que está na Declaração Universal de Direitos Humanos: todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

Então, se você preferir não adotar o nome de feminismo para essa crença, fique à vontade porque o importante mesmo é compartilhar dos princípios, dos valores universais de direitos humanos e, sobretudo, agir com base neles para transformar essa afirmação da liberdade e da igualdade em algo concreto.

Igualdade? Quer dizer que não existem diferenças entre homens e mulheres?

A luta pela igualdade não significa dizer ou supor que não haja diferenças entre homens e mulheres. A pessoa precisa ser muito ingênua para dizer que é contra o feminismo porque homens e mulheres são diferentes. E são mesmo diferentes de muitas maneiras.

A igualdade que interessa aqui afirmar é a que considera nossas diferenças para promover justiça, ou seja, estamos falando de equidade e visando o desenvolvimento pleno de nossos potenciais como homens e mulheres.

A diferença está para a diversidade como a desigualdade está para a opressão.

Portanto, a diferença que existe no fato de ser do sexo feminino não pode se transformar em motivo para desigualdades injustas, desvantagens, vulnerabilidades, violências, desqualificações e exclusões. E isso tudo costuma acontecer em função de uma visão sobre a superioridade dos homens.

O que é diferente se transforma em desigualdade injusta. Homens e mulheres possuem características, semelhanças e diferenças numa relação que poderia ser marcada pela riqueza que a diversidade oferece. Contudo, a mulher se torna diferente do homem, o ser superior, e não apenas uma pessoa com características nas quais há diferenças e semelhanças em relação aos homens.

Não suma com as características. Considere-as!

Somos diferentes e, aliás, viva a diversidade! É o segredo da vida em todos os sentidos, cultural e biologicamente falando. Quando afirmamos a igualdade para sumir com as diferenças, não é um bom caminho, é opressão de uns sobre outros porque o que irá imperar é o que se acha superior ou aquele que é escolhido como superior. Iguais em dignidade e direitos é o que está sendo afirmado e o que precisa mover nossa vontade para a construção de nosso pleno desenvolvimento como pessoas e como sociedade.

Igualdade, então, não significa sumir com as diferenças ou, de forma mais ampla, com as características. É preciso considera-las ao se pensar em qualquer atividade humana, ao se pensar no nosso jeito de ser, de fazer as coisas e de nos relacionarmos.

Dê à natureza o que é da natureza! Desnaturalize o que está no campo social.

Para isso, é importante não naturalizar as desigualdades injustas ou atribuir a comportamentos, escolhas que realizamos sobre como ser homem e mulher na sociedade, esse ar de ciência natural, de biologia que tudo explica e tudo justifica. Nossos costumes, hábitos, a cultura na qual estamos imersos é a responsável por muito do que acontece e não a natureza.

Se a sua frase começar com “é natural”, pare e pense bem. Pode estar escondendo algo de opressão, de injustiça que pode ser resolvido, enquanto o que é da natureza entregamos para ela resolver. Desnaturalize!

Colocar no campo do natural o que está dado no campo das relações sociais, da cultura, das coisas que inventamos sobre como ser homem e ser mulher em diferentes tempos e lugares é um dos entraves maiores que as mulheres enfrentam.

Sexo e gênero – o natural e o social.

Por isso estamos falando aqui de gênero. Simplificando, é como uma casca de cultura sobre a realidade biológica que também nos caracteriza, mas que não nos aprisiona ou nos conforma numa realidade como se fosse um destino traçado, um lugar para habitar para todo o sempre. Nenhum ser humano é assim. Não nos conformamos com nada e a tudo transformamos.

A própria natureza não existe sem a cultura se pensarmos em como nossos corpos foram evoluindo ao longo da história da humanidade. Edgar Morin diz algo importante sobre nossa condição humana: somos 100% biologia e cultura. Nossos corpos foram sendo construídos também a partir de nossas escolhas, nossos hábitos e costumes. Estamos falando de milhões de anos de nossa evolução e não apenas nos dias atuais.

Simone de Beauvoir diz que “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.” Gênero é essa questão presente nas nossas escolhas de como podemos ser homens e mulheres para além de nosso sexo.

Iguais e ao mesmo tempo diferentes, entre o que é dado pela biologia e o que é construído no campo das relações sociais, assim somos e a confusão não ajuda em nada na construção de relações justas e respeitosas para com todas as pessoas.

Feminismo e machismo

Se o feminismo é a expressão da crença na igualdade e trata do enfrentamento travado para a construção dessa igualdade, o inimigo da mulher, portanto, não é o homem, mas o machismo. Ele anda pelas cabeças de homens e mulheres prejudicando aos dois, prejudicando a todos e o todo, a sociedade, as possibilidades de desenvolvimento que possam beneficiar a todas as pessoas num mundo sustentável.

Está afirmação acima é perigosa porque pode esconder a verdadeira tragédia que significa ser mulher numa sociedade machista, violenta, que produz desigualdades injustas, humilhações e desvantagens das mais variadas. Pode esconder o poder que os homens possuem, que dele gozam com privilégios imensos e muito bem saboreados por muitos desses homens. Muitos não querem abrir mão do poder e dos privilégios que há no fato de ser homem num mundo machista.

A afirmação de que o machismo é o inimigo a ser enfrentado não pode esconder nada e deve escancarar a tragédia, denunciar os privilégios, questionar e abalar o poder exercido sem qualquer legitimidade. Quando o machismo é o inimigo, ganha-se maior efetividade, contudo, neste enfrentamento porque a afirmação permite enxergar melhor o problema e engajar todos os seus envolvidos, incluindo os homens.

E os homens?

Diz um texto feminista que li há muitos anos que o carcereiro é também um prisioneiro. Os efeitos do machismo sobre a vida dos homens são imensos também, com prejuízos dos mais variados. Disse Emma Watson, embaixadora global da Boa Vontade da ONU Mulheres, apontando um dos prejuízos mais básicos causados pelo machismo:

“Eu quero que os homens comecem essa luta para que suas filhas, irmãs e esposas possam se livrar do preconceito, mas também para que seus filhos tenham permissão para serem vulneráveis e humanos e, fazendo isso, sejam uma versão mais completa de si mesmos”.

A crença por traz é que homens e mulheres nasceram para ampliar juntos as possibilidades do gênero humano. Boutros Boutros-Ghali, então Secretário Geral da ONU (1992-1996), escreveu que “A humanidade possui duas asas. Uma é a mulher. A outra é o homem. Enquanto as asas não forem encaradas com a mesma dignidade que cada um merece, a humanidade não poderá voar. Necessitamos de uma nova humanidade.”


Que romântico, dirão alguns. Que triste, isto sim, é viver num mundo em que ainda é preciso ficar explicando porque é importante promover a igualdade entre homens e mulheres. Não há como promover igualdade sem envolvimento dos dois, homens e mulheres, no enfrentamento do machismo. O problema e a solução moram na qualidade das relações entre homens e mulheres. Nada mais importante que conseguir enxergar os problemas do machismo para os dois e engajar a todos nesta desconstrução necessária para ambos.

domingo, 15 de novembro de 2015

Para NÃO ter diversidade, um ambiente respeitoso e inclusivo na empresa

Para não ter diversidade, um ambiente respeitoso e inclusivo na empresa
Reinaldo Bulgarelli, 15 de novembro de 2015

Há aqueles que não querem diversidade em suas empresas. Algumas pessoas utilizam discursos que produzem efeitos muito positivos para este fim de gerar exclusão, desrespeito e violências de toda ordem. 
Não cabe aqui analisar a motivação, se há maldade ou ingenuidade, o que seria cair nas armadilhas destes discursos da exclusão. Pensei em relatar o que escuto daquelas pessoas que rejeitam a diversidade e as mirabolantes argumentações que utilizam. Há quem nem utilize os argumentos abaixo porque simplesmente excluem e ponto final. Portanto, pelo menos estes 10 argumentos são de pessoas que estão se sentindo na obrigação de dizer algo, mesmo que seja para manter as coisas como estão.
Os diálogos são apresentados com uma pitada de humor, ironia e são fictícios, mas devo alertar que você pode se encontrar nestas falas ou se deparar com elas na organização. Não se apavore e não fuja! Faz parte do processo de desconstrução dessa lógica que exclui nos empenharmos firmemente na tarefa de superar o “blá-blá-blá” para realizarmos ações efetivamente comprometidas com a diversidade como valor.
Outros textos meus podem complementar e ajudar a construir o discurso contrário ou os antídotos para este veneno que nos afasta da diversidade humana e, portanto, da possibilidade de sucesso para nossas empresas com base no respeito à dignidade das pessoas.
1.      Ideias são mais importantes.
- Senhor gestor, muito importante e que tudo pode, a matriz da empresa definiu que precisamos aumentar o número de mulheres na empresa.
- O importante não é ser homem ou mulher. O importante são as ideias.
- E o que fazemos com a meta definida na matriz?
- Diga que aqui nós somos modernos, profundos e estamos muito além dessa conversa boba. Nós valorizamos as pessoas e não o gênero delas.
- Mas, quase não temos mulheres na empresa. No geral, há 6% e em cargos de liderança não há nenhuma mulher.
- Então, isso mostra que valorizamos as ideias...
Pergunta que faço a esse gestor: O senhor já viu uma ideia andando pela empresa fora de um corpo? E o corpo, suas vivências num determinado tempo e lugar, não trazem consigo diferentes perspectivas? E a empresa não tem obrigações para com a sociedade que lhe confere licença para operar e agir com justiça, rejeitando e erradicando práticas de discriminação?
2.      De que adianta isso se aquilo ainda não está resolvido?
- Senhor gestor, muito poderoso e sábio gestor, reconhecido por ser muito pragmático e tudo resolver, há uma proposta aqui da área de responsabilidade social dizendo que poderíamos aumentar o número de negros na próxima turma do programa de aprendizagem. O que respondo?
- De que adianta mexer com isso agora se o programa ainda não está perfeito, se não discutimos o salário ideal para todos, se a crise econômica mundial está afetando o desempenho dos países, se a humanidade ainda não chegou num acordo sobre a paz mundial, se há uma torneira pingando no quinto andar, se...
- ok, já entendi, amado líder e inteligentíssimo gestor.
Eu chamo esse tipo de argumento de “ideias paralisantes”. Utilizam uma lista de outras coisas importantes para se opor a propostas simples, sobretudo as que alteram o status quo, que exigem mudanças muito concretas. Com isso, nada acontece, nem isso e nem aquilo, porque nunca se alcançará a perfeição desejada para se começar a agir nestas “questões menores”.
3.      Tudo é muito polêmico.
- Magnânimo gestor, senhor do equilíbrio e promotor da harmonia em nossa empresa, chegou aqui uma reclamação de uma funcionária dizendo que sua colega a está humilhando publicamente por ela ser lésbica. O que devemos fazer?
- É aquela lésbica que reclama toda hora porque os religiosos querem sua demissão, aquela que o pastor convidado pela fábrica a trancou no banheiro até que se ajoelhasse e aceitasse Jesus em seu coração?
- É essa mesma, a que o coordenador dela chama por apelidos muito engraçados, a que foi chamada ao palco na festa de fim de ano para ganhar o prêmio de homem mais forte da unidade. Foi uma brincadeira, claro, mas ela se ofendeu também com isso.
- Mimimi. Esse povo só sabe reclamar, vive chorando para ter privilégios. O que ela quer que eu faça? É uma questão muito polêmica...
É chamado de polêmico tudo aquilo que não se quer resolver ou que se quer empurrar com a barriga para favorecer os agressores. Não há polêmica nenhuma neste fato acima, há um crime.
4.      Educação é a saída!
- Muito digno gestor, sábio e profundo, comprometido com a elevação da cultura da humanidade, chegou aqui a reclamação de um colaborador dizendo que o gestor o ridiculariza na frente de todos por conta de seu cabelo e por ser negro. O que devemos fazer?
- Educar, claro! O problema está na educação. O governo deveria educar as criancinhas das creches sobre o valor da diversidade humana. Tem que começar lá pela base.
- E o que faremos com o colaborador?
- É um problema estrutural, do sistema capitalista, da cultura do nosso país, algo relacionado às questões históricas que o governo deveria olhar com mais atenção. Aqui, podemos fazer uma mensagem na comunicação interna para sensibilizar a todos. Espere o dia da abolição – quando é mesmo? – para soltar uma linha sobre a importância do povo africano para o país.
Para que nada aconteça, dizem que tudo se resolve com a educação, de preferência dos bebês. Os adultos, segundo estes, são um caso perdido, não mudam. Se há um círculo vicioso de exclusão, ele pode ser quebrado a qualquer momento e em qualquer lugar. Neste caso acima, não é apenas uma questão de “sensibilização”, mas há um crime. Não é um problema para ser delegado ao governo, à mudança do sistema capitalista, à mudança de mentalidade da humanidade, mas para se agir com rapidez. Punir um crime também não é algo educativo e que “sensibiliza” os racistas? Tudo que não se quer resolver no âmbito da gestão, aqui e agora, diz-se que é um problema social, dos outros, do governo, da história, jamais um problema da empresa.
5.      O que os outros vão dizer?
- Nobre, digno e justo gestor, que cuida da imagem da nossa empresa no mundo todo, há uma candidata a vaga na empresa cuja documentação diz que ela é homem e o coordenador da área diz que quer orientação da presidência para saber se contrata ou não. O que faremos?
- “Ele” passou no processo seletivo?
- E muito bem.
- Diz que a vaga já foi preenchida. Imagine o que dirão os outros se souberem que contratamos uma travesti para trabalhar aqui?
Há empresas muito carentes, coitadas, que precisam ser amadas por todos. Portanto, não se preocupam em ser justas ou em cumprir com suas obrigações legais e morais. Querem é zelar pela imagem diante do padrão dominante, da opinião pública, seja ela uma maioria ou uma minoria barulhenta. O importante é agradar a estes acreditando que o lado mais fraco não vai causar nenhum dano à imagem da empresa.
6.      A meritocracia precisa ser garantida.
- Ilustre, muito correto e competente gestor, recebemos aqui uma pesquisa interna dizendo que só os homens foram promovidos no último ano, mesmo havendo algumas poucas mulheres entre os candidatos a promoção. O que diremos à área que fez o levantamento?
- Diremos o mesmo de sempre: nossas decisões estão baseadas na meritocracia. Só promovemos os mais competentes e, por coincidência, apenas os homens se mostraram competentes.
- Mas, as candidatas estão dizendo que houve discriminação, que a empresa não se mostra cuidadosa para com suas questões específicas.
- Aqui não há homens ou mulheres, mas pessoas competentes.
E a tal meritocracia é um conceito que mal conhecem, mas que é utilizado para justificar os ausentes, as injustiças, a falta de cuidado com uma cultura inclusiva das muitas perspectivas que a empresa necessita para atuar no mundo. Se a empresa realmente cumprisse sua promessa de tomar decisões baseadas no mérito haveria apenas homens na liderança? E uma empresa se constrói apenas com análise individual do mérito? Não há uma preocupação em se construir uma competência organizacional para realizar sua missão ou propósito com bons resultados?
7.      A diversidade é valor que não se mede.
- Digníssimo, elevado e muitíssimo competente gestor, que foi formado nas universidades de primeira linha para ser nosso líder maior, há aqui uma demanda dos acionistas sobre o número de negros na empresa. Querem saber se fazemos a gestão desta informação.
- Não perguntamos a cor das pessoas porque isso não importa e seria uma prática de discriminação.
- Mas, eles dizem que há esse dado no relatório enviado ao Ministério do Trabalho. Ele aponta que quase não há negros na empresa, nem mesmo na base, quando no país a maioria da população é negra.
- O governo obriga a gente a cometer esse crime de perguntar raça e cor.
- Mas, se o governo pergunta, deve estar amparado na lei, não?
- É coisa de governo. E não há candidatos negros, por isso a maioria aqui é de brancos.
- E como sabemos que não há candidatos negros se não perguntamos sobre essa questão no processo de recrutamento e seleção?
- É crime perguntar se a pessoa é branca, preta, parda, amarela ou indígena, como faz o IBGE e o Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS). Nós aqui valorizamos a diversidade e isso não se mede porque está em nossa alma, não nas planilhas de Excel. Você é muito cartesiano!
Muito bonito, mas a empresa trata de todos os assuntos no campo da gestão e procura estabelecer indicadores, medir resultados, lidar com dados dos mais variados para aquilo que realmente importa, como a diversidade apresentada como valor. Valor é o que pesa na tomada de decisão e, se pesa, precisa ser medido. Não é crime a ausência de negros na empresa, mas é crime a gestão da diversidade racial? O quesito raça/cor é essencial para se fazer a gestão da diversidade, além de declara-la como valor.
8.      E porque não falam dos outros, apenas destes?
- Meu mais digno e soberano gestor que a todos observa com bondade para promover a paz mundial e a salvação da humanidade, temos que cumprir a legislação de cotas para inclusão de profissionais com deficiência. Estamos sendo chamados pelas autoridades e iremos pagar multas altíssimas.
- Não fazemos nada aqui por conta das cotas, mas porque valorizamos todas as pessoas independente de terem deficiência ou não.
- Mas, ainda não contratamos nenhuma pessoa com deficiência.
- É porque elas não existem. E, além disso, porque não fizeram a lei de cotas para os homens, para as pessoas sem deficiência, para os brancos, para as pessoas ricas...?
- Acho que já temos bastante delas aqui, meu líder supremo.
- E a lei de cotas para os ciganos, para os indígenas, para os sírios, para as moradores de Tucumã, para os migrantes de Myanmar...? Por que só falam de pessoas com deficiência? Nós aqui valorizamos a diversidade toda, assim ampla, geral, e não essa conversa de minorias.
- Se valorizamos, porque não estão aqui, ó líder visionário e sábio?
- Eles é que não querem. As portas estão abertas. Se não estão aqui, é porque não têm competência e a lei de cotas não vai resolver isso. Vamos trabalhar, que a empresa precisa aumentar seus lucros e não estamos conseguindo. Não está fácil vender cadeiras de roda com essa crise!
- Como o senhor, excelente planejador e com altíssima visão estratégica, vai evitar a falência já que não há pessoas com deficiência com escolaridade para concorrer a nossas vagas? Se não têm escolaridade e nem emprego, não terão dinheiro para comprar nossas cadeiras. Ok, entendi, vou voltar ao meu insignificante lugar e dizer que pagaremos a multa mensalmente porque amamos a diversidade toda e não apenas as pessoas com deficiência.
Não precisa dizer mais nada, não é mesmo?
9.      Nosso ambiente é saudável e seguro para todas as pessoas.
- Meu mais genial e respeitável gestor de todos os tempos, o sindicato pediu a instalação de um canal de reclamações dos empregados porque estão chegando lá muitas queixas de assédio e discriminação.
- Por que reclamam para eles e não para mim? As minhas portas estão abertas.
- Uma das reclamações é daquela secretária que o senhor não promoveu porque não foi jantar em seu apartamento. O senhor a demitiu no dia seguinte.
- Ela não entendeu que era um convite profissional e essa gente, afinal, adora se fazer de vítima para ter vantagens. É uma oportunista!
- Ela diz que o senhor, impecável e incólume líder, é que queria ter vantagens.
- Injustiça desse povo. Aqui nós temos um ambiente saudável e seguro para todas as pessoas. Criar um canal de reclamação vai gerar divisões entre nós. Queremos a união e não o separatismo. Queremos a paz e não a guerra.
Há gestores que, mesmo não envolvidos em práticas de assédio ou discriminação, entendem que ambiente democrático é o que o trata todos iguais, como se as chamadas minorias ou pessoas em situação de vulnerabilidade não precisassem de atenção especial. Para quem valoriza a diversidade, uma pessoa importa. Essa democracia que só cuida das maiorias, que se esconde atrás de “todos”, pode estar escondendo práticas terríveis de assédio e discriminação, entre outras violências que também afetam o desempenho da empresa.
10.   Todos os corações devem estar preparados para praticarmos inclusão de fato.
- Digníssimo e competentíssimo gestor, o plano para a inclusão de pessoas com deficiência, em cumprimento à legislação e aos princípios de gestão da empresa expressas na nossa missão, visão e valores, está pronto e precisa de sua autorização para ser implantado.
- Mas, as pessoas todas estão sensibilizadas? Não podemos contratar uma sequer pessoa com deficiência enquanto todos os corações não estiverem aquecidos para o acolhimento sem igual destes coitadinhos. Eu não quero que sofram aqui neste ambiente hostil, exigente, inflexível, monstruoso...
- Elas devem aguardar do lado de fora enquanto providenciamos a sensibilização dos cem mil colaboradores da empresa? E como saberemos se todos os corações estão aquecidos?
- Temos pesquisa de clima, a sensibilidade dos gestores e todos me dizem que não estão preparados, portanto, vamos proteger as pessoas com deficiência. Pelo bem delas, devem aguardar até que o amor e não a lei seja o motivo para praticarmos inclusão aqui.
- Se aqui é tão ruim para as outras pessoas, não seria o caso das pessoas com deficiência também entrarem e depois trabalharmos juntos a qualidade do ambiente e realizarmos todas essas revoluções necessárias?
- Elas são pessoas especiais, frágeis, vulneráveis, sem um pingo de força para lutar contra essa opressão toda. Vamos protege-las!
O nome disso é tutela e tutela da pior espécie porque não respeita a dignidade das pessoas, sua autodeterminação, sua capacidade de construir junto as soluções. É tutela que não protege, mas exclui e humilha, que deixa do lado de fora utilizando como desculpa até mesmo a desqualificação da empresa e das pessoas que ali estão.
Como nas “ideias paralisantes”, as “ideias desqualificantes” também só levam à manutenção da situação atual sem que nada seja feito para gerar mudanças. Não são mesmo desejadas e tudo é desculpa para não se assumir os reais motivos para agir a favor da diversidade, promove-la como valor e realizar a gestão dessa diversidade para que adicione valor às pessoas, aos negócios e à sociedade.

Você já se viu defendendo uma dessas ideias? Funcionou para gerar mais ou menos diversidade na empresa? Se utilizou o discurso acima para afastar a empresa da diversidade, parabéns, você é muito competente. Se utilizou o discurso porque não tinha outro repertório, amplie seu conhecimento e melhore sua argumentação. Tenha certeza que não está ajudando a empresa ao afastá-la da diversidade.
Também aprendi que para se ter diversidade, ambientes respeitosos e inclusivos, o caminho não é conhecer para respeitar, mas respeitar para conhecer, agir e transformar. Novas posturas, respeitosas e inclusivas, exigem novos discursos. Novas práticas devem gerar discursos coerentes e comprometidos com o respeito e a inclusão.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Voluntariado empresarial - O que dizer para motivar alguém a ser uma pessoa voluntária?



Voluntariado empresarial - O que dizer para motivar alguém a ser uma pessoa voluntária?

Reinaldo Bulgarelli, 15 de setembro de 2015

Tenho que falar amanhã para um grupo de colaboradores de uma grande empresa. Estou aqui pensando no que dizer para eles sobre voluntariado. 

Acho que é bom começar falando de sustentabilidade, dos desafios que estamos enfrentando no momento para tornar a vida possível hoje e amanhã, a nossa e de tantas outras espécies com as quais mantemos uma relação de interdependência neste mundo. Mas, não ficará muito distante ou passará a ideia de que voluntários são salvadores do universo?

Já estou até vendo a carinha de um colaborador me olhando com desconfiança sobre suas condições de salvar o planeta. Não, não é uma fala para estimular que cada qual vista uma roupa de super-herói e saia por aí corrigindo o que há de errado no planeta. Isso seria até perigoso porque alguns podem se tornar arrogantes, achar que tudo passa a existir a partir de seu gesto de adesão ao voluntariado. Melhor não fomentar a geração de gente arrogante.

Mas, não dá para falar de voluntariado sem falar de um mundo melhor. Isso de mundo melhor vem grudado nas falas sobre voluntariado. Então, é melhor explicar logo de cara que esse tal mundo melhor pode ser algo autoritário se não for um mundo melhor para todos, inclusivo, que saiba lidar bem com os conflitos e as diferentes visões sobre o que é mundo, o que é melhor e para quem será melhor. Pronto, já desandei a falar de valorização da diversidade e desviei a atenção do tema central.

Eu preciso mostrar que a empresa está querendo estimular que dediquem horas, até mesmo remuneradas, para uma ação que beneficie a sociedade. Preciso estimular que ajam para além do seu cotidiano cheio de compromissos, sobretudo compromissos de trabalho. O que faz uma pessoa encontrar tempo para fazer algo de bom para o mundo e sem querer receber nada em troca? O que faz alguém atender o convite da empresa para dizer que está sendo criado um programa de voluntariado empresarial que dará suporte a quem quiser se organizar e participar de ações sociais das mais variadas?

Dá vontade de começar perguntando se já perceberam que o emprego deles está correndo risco, que a empresa está no maior sufoco, que o Brasil está vivendo uma crise imensa, que o mundo está se acabando. Se, ainda assim, continuarem dispostos a ouvir sobre voluntariado, acho que estarei diante de um grupo realmente interessado. Que catastrófico! Não é um bom começo, entendi.

No fundo, estou duvidando que uma fala possa inspirar alguém a ser voluntário. Eu é que estou com problemas. Eles já estarão ali na maior boa vontade atendendo o convite da empresa e eu aqui pensando em como convencê-los a agir. Mais do que inspirar, quero dizer o que acho ser um bom voluntariado. É muita arrogância da minha parte. Basta dizer o que sinto sobre ser voluntário e parar de dar fórmulas para não serem isso ou aquilo.

Quem é arrogante no dia a dia, será também arrogante na hora de aderir ao voluntariado. Quem é autoritário não precisa de empurrão para sair por aí construindo um mundo melhor segundo seu próprio umbigo. Quem só vê problemas à sua volta e se acha um herói capaz de salvar o universo, desqualificando tudo e todos, não vai precisar de apoio de ninguém para exibir sua capa.

Quem se move porque enxerga a flor no meio do lixão, porque tem lembrança do que é um dia de sol no meio da tempestade, o valor de um sorriso, o calor de um abraço, também não precisa de ninguém que venha ensinar a importância do voluntariado. A pessoa voluntária, na prática ou no desejo, quer é encontrar alguém que, como ela, compartilha do mesmo brilho no olhar, da mesma inquietude, da mesma vontade de transbordar cotidianamente.

O voluntário que quer salvar o mundo, que se move porque acha que nada presta, que só ele pode fazer a diferença no mundo, ser cidadão, redentor da humanidade, desiste depois de um dia, da primeira coisa que interpretar como ingratidão ou de uma frustração qualquer. Ele se move por culpa própria ou dos outros. Ou desiste ou muda de atitude. Quem não desiste ou resolve mudar de atitude, passa a falar outra língua, a de quem vê esperança onde nada indica motivos para isso. A língua da responsabilidade ou da corresponsabilidade. Nada de culpa!

A pessoa voluntária não é inconformada com o mundo, não se move pelo ódio contra tudo de ruim que há na humanidade e muito menos é indignada com as injustiças que outros cometem. Ela olha para si e se vê incapaz de existir sem ser o que quer ver no mundo. Gandhi acertou em cheio! A pessoa voluntária, aprendi ao longo dos anos, é humilde, simples, gosta do mundo, das pessoas, dos bichinhos, admira as coisas bonitas, de um ninho de passarinho à alegria de uma criança brincando.

A pessoa voluntária se move porque não teria outro jeito de viver neste mundo senão se doando, se esparramando, indo além do que é esperado ou dos papéis rigidamente impostos. A cidadania é isso: faça o certo, o esperado, cumpra com suas obrigações para com a coletividade, lute por justiça e pela ampliação dos direitos. 

A pessoa voluntária é mais do que uma boa cidadã. Ela sempre acha um jeito para contribuir, ajudar, cooperar, unir esforços para algo dar certo, seja lá o que for. Nem precisa mandar, ela faz. Ela sempre encontra um tempo para fazer algo mais, algo além, algo que melhore o ambiente ou o dia de alguém porque seu dia nasceu para ser feliz e não triste. Isso não é salvadora do mundo e ela nem está pensando nisso. Faria mesmo sem alguém dizer que está salvando alguma coisa.

A pessoa voluntária se move porque dentro dela mora a urgência, a incapacidade de adiar para daqui a pouco o que pode ser feito agora. A pessoa voluntária não quer nem saber se aquilo é prática cidadã ou se alguma divindade vai gostar mais dela por isso. Até se arrisca a fazer bobagens e faz, mas como é persistente, não desiste fácil, aprende, aprimora, se capacita para fazer melhor no dia seguinte.

Então, o que vou dizer para os colaboradores da empresa? Nada de novo, só encontrar com aqueles que têm brilho no olho e compartilhar com eles essa alegria de saber-se disponível para além das fronteiras que o tempo ou qualquer outra coisa tentam limitar. E morram de inveja os que não ainda não se dispuseram a sair do lugar, a romper com a mesmice, a parar de falar mal do mundo.

E que, depois de morrer de inveja, mudem de ideia e experimentem a dor e a delícia de ser alguém disponível para o mundo e suas muitas possibilidades. E que se movam não pela desgraça que há em volta, mas pela coragem de deixar brilhar a luz que há lá dentro e que nos conecta com a força da humanidade. Sim, há uma força gigante em ser humano que é capaz de coisas incríveis. Isso nos apavora. A pessoa é voluntaria não por nada, apenas porque libertou essa força e se permite conectar com o mundo. Os outros é que dão nome e até cursos sobre isso, o que é ótimo, mas ela morreria se fosse diferente, se tivesse que encaixotar o sol que traz no peito.

Ser pessoa voluntária, cheia de atributos e competências, cheia de histórias de contribuições fantásticas, mil transformações realizadas por segundo quadrado, teve um dia um despertar, o primeiro passo. Tudo se aprende e até a se dispor ao mundo pode ser coisa aprendida. Mas, ser pessoa voluntária não é um fazer, é um jeito de ser no mundo.

Como eu já disse em outras falas e textos, ser voluntário é ir além do esperado e a direção é uma só: garantir que a vida possa se expressar com dignidade num mundo sustentável. Está tudo integrado e interdependente, portanto, não estamos agindo para “tapar buraco” enquanto o mundo melhor não surge de algum milagre. O voluntariado, quando tira a pessoa da mesmice, ainda mais quando atua na direção da sustentabilidade, já é o mundo melhor acontecendo.