O poder da cultura sobre a licença maternidade
Reinaldo Bulgarelli
07 de abril de 2015![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuH1xjaVl45xqJsNVFGVJ2BexhvOz6VuZkViug_8Sx-H_JZy857JjdI1IW9I2s5e6g3tokQ4HNmDJuIlFt_S7GLbtcZR7gn-kq9u7MsUq-5Mr20Rq6VOqhB01q3NfwIkUvOS9zKxMqAVU/s1600/P%C3%A9s.jpg)
Contudo,
essa comparação com outros países permite observar comportamentos da sociedade
que se refletem no mercado de trabalho. Beatriz fala logo de cara em
maternidade e da premissa dos direitos iguais entre pai e mãe. Lá a licença é
de nove meses ao todo. Uau! São três meses para a mãe, três meses para o pai e
outros três que podem ser usados e divididos pela mãe e pelo pai. Um avanço e
tanto.
Por que a maternidade é alvo da proteção da
legislação aqui no Brasil? Por que a sociedade ainda não demanda por direitos
iguais e cabe apenas à mulher, na cabeça dos legisladores, a tarefa de cuidar
da criança. Bem verdade que a criança também tem direitos nesta história e a
amamentação é uma delas, de preferência, nos primeiros seis meses. Tirando a
gravidez e a amamentação, não há nada que diga respeito apenas à mulher e,
mesmo a gravidez e a amamentação podem e devem ser acompanhadas de perto pelo
pai.A legislação na Islândia expressa uma visão de mundo no qual homens e mulheres têm direitos iguais, incluindo a constituição da família, o cuidado com os filhos e com a casa. O homem não ajuda em casa, ele faz o que deve fazer. A mulher não tem “privilégios” por ser mãe. A licença é para que ambos cuidem dos filhos, considerando as diferenças, mas sem gerar desigualdades.
Uma das desigualdades criadas com a legislação que não parte da premissa da igualdade e, portanto, da responsabilidade de homens e mulheres para com o desenvolvimento da criança, é a do acesso e permanência da mulher no mercado de trabalho. Usa-se esse fato da gravidez e da maternidade para pagar menos à mulher e para criar barreiras para seu desenvolvimento profissional.
Se a legislação pensa nos três – na mulher, no homem e na criança, não é apenas a mulher o problema da empresa, mas a família, a paternidade e a maternidade. Como o mercado de trabalho ainda avesso a gente em sua diversidade, pensando no nosso caso aqui no Brasil, não tem como se livrar totalmente de homens e mulheres, é obrigado a conviver com os dois e com essa legislação que obriga a empresa a conviver com um fato da vida: há pessoas que gostam de ter filhos e que gostam de cuidar deles.
Diz a Beatriz que na Islândia é até mal visto um pai que não assume sua responsabilidade e entrega tudo para a mulher cuidar. Virou coisa feia ser homem que não participa como é feio fumar, contar piadas homofóbicas, desprezar questões ambientais e assim por diante. Como é valor para a sociedade, as práticas de gestão, com seus filtros sempre largos a tudo de bom e tudo de ruim que há na cultura, tender a ver com maus olhos o profissional homem que não cumpre com suas obrigações. Viva a Islândia!
Aqui, um homem que pede para sair mais cedo para levar a criança no médico vai gerar profunda admiração pelo feito extraordinário e o comentário maldoso de que é mal casado porque a mulher, relapsa, não cumpre com sua obrigação. Estou exagerando?
Lá na Islândia já não é mais estranho, como é para nós, que um homem comente no trabalho que está com o corpo dolorido porque fez tarefas domésticas naquele dia: lavou, passou, cozinhou, limpou o banheiro, a cozinha, ficou com a criança no colo pra cá e pra lá e coisas do tipo. É a igualdade e suas implicações maravilhosas para o cotidiano de homens e mulheres.
Claro que um casal deve poder escolher, dependendo do momento e do desempenho na carreira, quem vai se dedicar mais ao trabalho ou à casa, mas há a escolha e ela pode ser tanto do homem como da mulher, sem estigmas ou o rótulo de que um deles está fora do lugar. O trabalho e a casa são lugares tanto de homens como de mulheres. Que sonho!
Lá, as mulheres têm filhos mais cedo e 88% das que estão em idade economicamente ativa trabalham. A taxa de fertilidade é das mais altas da Europa com média de dois filhos por mulher. Aqui, o mercado de trabalho ainda é masculino, o desemprego é feminino, mesmo com a sociedade brasileira sendo constituída por maioria de mulheres e tendo elas mais anos de escolaridade do que os homens. Melhor nem falar da diferença de salário ou de acesso à política, com um Congresso masculino e que tem que pensar a sociedade toda.
Para a Europa pode ser importante essa alta taxa de fertilidade, enquanto aqui as regras para o mercado de trabalho geraram um dos mais bem-sucedidos controle de natalidade do mundo. Não dá para escolher. A regra é clara: ou a mulher escolhe trabalhar ou viver. Sempre lembro que parece um assalto: a bolsa ou a vida!
Não bastasse um mercado de trabalho ainda distante desta ideia de igualdade entre homens e mulheres, temos um Congresso cada vez mais conservador que, com base em religião, diz que o trabalho da mulher está destruindo a família brasileira. Tudo que puderem fazer para colocar a mulher de volta ao lar com seu papel bem definido, melhor para a família. Ô atraso!
Gosto de analisar a Islândia nestas questões de gênero porque fica evidenciada essa questão de valor, da igualdade como valor, do cuidado compartilhado como valor. Na Islândia, a sociedade, portanto o mercado de trabalho, entendeu que gravidez e maternidade fazem parte da vida e incorporam esse fato na gestão empresarial.
Aqui ainda se tem que escolher entre viver e trabalhar, então tem algo errado. Cada talento que a empresa perde por conta desta falsa escolha deveria pesar na consciência, além de pesar no bolso. Enquanto não for valor lidar com a vida como ela é, as empresas preferem pagar o preço, ter prejuízo, ver o talento ir embora e sem se lamentar, culpando a mulher pela "escolha", porque mais importante é manter o controle e a ordem. Tudo que não é homogêneo traz uma complexidade que é encarada como problema e não como solução.
Nem dá mais pra dizer que é a ordem dos homens, apesar deles terem criado as empresas à sua imagem e semelhança, sobretudo de um padrão de homem idealizado: livre de gravidez, da amamentação, bem como livres do afeto pelos filhos, pela vida, pela família, pelo lazer, com foco apenas na empresa e na carreira. Sabem de nada, inocentes!
Hoje há homens que também não se encaixam mais neste padrão avesso à paternidade responsável, participativa, que compartilha o prazer de viver e de trabalhar, o prazer de ver o negócio e os filhos crescerem. Triste essa falsa escolha que o ambiente de trabalho ainda impõe às mulheres e, mais recentemente, aos homens que desejam algo mais do que ser uma “mão-de-obra”. E tudo porque ainda não paramos direito para pensar o quanto faz bem para os negócios saber lidar com a vida, a vida como ela é.