terça-feira, 24 de abril de 2012

Egressos, trabalho e renda

Foto de Bruno Fontoura/SEMDET
O que as empresas podem fazer pelo preso?
Reinaldo Bulgarelli, 23 de abril de 2012

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo realizou ontem, dia 23 de abril, mais um evento que discute diversidade, renda e trabalho na cidade de São Paulo.

Os eventos contam com o apoio técnico da Txai que contribui voluntariamente com a equipe da SEMDET na organização e realização dos seminários. Os seminários são de responsabilidade de Fernando Cerqueira, coordenador do trabalho, sempre presente e atuante, disposto a discutir temas que não são nada fáceis.  

Nas palavras do novo secretário da SEMDET, José Alexandre Sanches, os seminários contribuem para a elaboração de planos de ação que acolham a nova realidade do país no qual temos baixo desemprego e bons índices de desenvolvimento econômico.

Já foram temas dos seminários a questão da mulher, da pessoa com deficiência, dos aprendizes, do negro, dos homossexuais e o de ontem teve como tema “Oportunidade de Trabalho, Emprego e Renda para Egressos do Sistema Prisional na Cidade de São Paulo”.

O formato dos eventos é muito simples, mas muito produtivo. A abertura conta com a presença das autoridades e organizadores do seminário, apresentando as boas vindas, a visão da SEMDET sobre o tema, as possibilidades de enfrentamento prático dos problemas e, em geral, as resoluções que já podem ser tomadas de imediato. Em seguida, um especialista aborda o tema, contextualizando, oferecendo dados e sua proposta de enfrentamento da questão. Convidamos também um representante do poder público que represente o que o governo ver realizando na área, não apenas em sua organização.

O intervalo de trinta minutos, além do café de boas vindas antes do início, favorece a interação entre todos os participantes, momento de boas articulações e contatos da plateia constituída por representantes de órgãos públicos, empresas privadas de todos os portes, estudiosos do tema, membros de organizações não governamentais, sindicatos, ativistas, entre outros. Por fim, realiza-se uma mesa em formato de talkshow com depoimentos de representantes do segmento em questão, empresas, movimentos sociais, aquecendo e abrindo o debate com essa plateia sempre rica em termos de representatividade e experiências no tema abordado.

No evento sobre egressos do sistema prisional, contamos com a participação do professor José Pastore, um dos maiores especialistas do país no tema das relações do trabalho. Como ele mesmo disse, por razões pessoais e profissionais tem se dedicado ao tema dos presos e egressos do sistema prisional. Enquanto muitos que enfrentam a violência em suas vidas preferem apenas pedir mais ação da polícia, este grande mestre tem colocado todo seu conhecimento a serviço da busca de soluções concretas, estudando, pesquisando, dialogando com presos e profissionais do setor. Seu livro “Trabalho para Ex-Infratores”, pela Editora Saraiva, publicado em 2011, bem como a abertura que fez ao Manual “O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso”, do Instituto Ethos, de 2001, são exemplos desta trajetória e dos anos de contribuição ao tema.

Apesar do braço quebrado, professor José Pastore compareceu ao evento e nos fez várias provocações, alinhadas com o objetivo do seminário de enfrentar temas que a sociedade parece ter muita dificuldade para discutir e propor soluções. Ele questionou, por exemplo, porque tem sido tão difícil para um país que gera 2 milhões de empregos por ano incluir no trabalho formal cerca de 30 mil egressos.

Mais uma vez nos deparamos com o tema do preconceito que, a cada segmento estudado nestes seminários da SEMDET, mostra suas diferentes faces. Eu as tenho chamado de “ideologias da discriminação”. No caso dos egressos, enfrentam o estigma de ter praticado um ato criminoso no passado e que acaba sendo integrado na pessoa como se fosse uma coisa só.  Mesmo cumprindo a pena, o sujeito ganha o estigma de criminoso, como se toda sua vida e suas perspectivas atuais e futuras pudessem ser reduzidas definitivamente a esta questão. Desconfiança, medo da pessoa, receio de que pratique contra a empresa o mesmo ato que o levou à prisão são elementos deste preconceito que afasta o egresso de uma oportunidade. É evidente que essa exclusão gera um circulo vicioso e que precisamos de medidas para construir um circulo virtuoso que favoreça o egresso, as organizações e toda a sociedade. Quanto custa deixar um egresso entregue à própria sorte? Qual o investimento necessário para a inclusão?

No painel que realizamos no evento estava o Sergio Ricardo, egresso que passou, segundo ele, vinte e quatro anos no sistema prisional. Seu depoimento foi muito positivo, otimista, dizendo que não desistia apesar dos pesares. E os pesares são justamente esse circulo vicioso. Citou a assistente social Sonia, do CAT – Centro de Apoio ao Trabalho, da SEMDET, que representou, por meio dos elogios que fez a ela, todas as Sonias que sabem como fazer a diferença na vida de alguém. Mas, sua história como egresso está pendurada no circulo vicioso. Ele tem toda disposição do mundo para a nova vida e, como diz o professor José Pastore, aprendeu a gostar do trabalho, faltando agora um emprego formal, de carteira assinada, uma vez que está numa cooperativa que o chama apenas quando tem serviço.

Sergio me fez lembrar dos muitos e muitos jovens com os quais tralhei quando era educador social de rua. Às vezes, achavamos nós, não tínhamos nada a oferecer para quem ganhava a vida por meio de práticas criminosas, mas era um engano. Não é o quanto se vai ganhar a mais o elemento que pesa nesta escolha, mas a oportunidade e o que ela significa de perspectiva, um projeto de vida que se reinventa e que vai além de uma simples inserção no mercado de trabalho, por exemplo. Sergio já fez sua escolha, mesmo sem encontrar uma oportunidade à altura do que pode fazer e do tamanho dos sonhos que traz consigo.

O painel contou, ainda, com Antonio Hermes, que também já tinha passado por prisões e está liderando hoje uma organização, a NUA – Nova União e Arte. Ele encontra neste trabalho uma maneira de expressar seu desejo de uma vida nova, mas também de contribuir com a comunidade e de dizer sua palavra sobre as causas e consequências de uma sociedade indiferente e insensível para com alguns de seus cidadãos.

Carla Vieira, da empregadora Singalter, contou sua experiência ao lidar com o desafio de contratar egressos. A empresa, pelo que entendi, não realiza uma “ação social” para favorecer egressos, mas tem por postura a não discriminação. Nada contra as ações sociais que favorecem segmentos em situação de vulnerabilidade, desvantagem e exclusão, tão necessárias neste caso, mas é muito bom observar que há estágios até mais avançados com empresas que simplesmente não aceitam discriminar. E, como lembrou o secretário Sanches, quem pode ainda criar barreiras baseadas em preconceito quando os empregadores se queixam tanto da falta de profissionais? No relato de Carla também ficou evidente a não conivência com clientes que rejeitam egressos. Uma lição para todos nós que a ouvimos relatar com simplicidade e firmeza a maneira como a Singalter lida com essas situações. Para servir de referência a todos, Carla disse que os egressos contratos por eles têm desempenho igual ou até melhor do que os que não são egressos. É a paixão pela oportunidade!

Por fim, Mariana Parra, coordenadora de projetos de políticas públicas do Instituto Ethos, apresentou a publicação “O que as empresas podem fazer pela reabilitação dos presos”, citada acima (disponível no site -  http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/manual_preso_internet.pdf). Ela, que representou uma organização do movimento de responsabilidade social empresarial, trouxe a perspectiva das práticas sustentáveis e convidou as empresas a refletir sobre o imenso custo que significa a indiferença, assim como o papel importante das empresas como empregadores diretos ou indiretos, por meio de um trabalho bem feito na sua cadeia de suprimentos, por exemplo. A publicação citada é de novembro de 2001 e poderá ser atualizada, mas foi uma contribuição importante na época e pode ter ajudado, como todos concordaram, nos avanços que estamos vivenciando neste tema.

Não quisemos focar no evento a questão importante das condições em que estão os presos atualmente, mas nas oportunidades que uma articulação entre os diferentes setores da sociedade pode produzir para construirmos um circulo virtuoso que dê conta dos desafios apontados pelo secretário José Alexandre Sanches e pelo professor José Pastore. Uma economia como a brasileira não pode continuar fechando as portas para egressos, muito menos deixar passar a oportunidade, em tempos do chamado pleno emprego, para enfrentarmos nossos preconceitos, realizar aprendizados importantes no campo da promoção dos direitos humanos e das organizações inclusivas. Se há um problema no sistema prisional, não justifica, apesar de dificultar, que continuemos criando problemas para os egressos.

Muitas questões surgiram durante o seminário tratando de recortes que são importantes neste tema, como o fato da vida no crime e o próprio sistema prisional produzirem o distanciamento entre o preso e sua família. Foi citada a questão dos estrangeiros, homens e mulheres, com suas especificidades, cumprindo pena num país onde não possuem familiares e uma estrutura que ofereça apoio também na fase de saída da prisão. O machismo foi lembrado por meio do dado de que os homens recebem mais visitas do que as mulheres. Elas, na condição de presas, são abandonadas pelos seus parceiros e familiares, talvez porque eram o pilar de sustentação de uma família que desmorona com a prisão da mulher.

Lembrei também a questão dos homossexuais, dos travestis, a questão racial permeando todo esse círculo vicioso, tanto na produção das condições para o crime, o sistema de justiça, aprisionamento e vida de egresso em uma sociedade que discrimina os negros. Mas, no período desta manhã em que houve muitos momentos emocionantes e, com certeza, muita esperança “de que a humanidade tem jeito”, como comentou um participante, nem tudo poderia mesmo ser aprofundado.

A SEMDET deve organizar posteriormente uma publicação com os resultados destes seminários (é o meu desejo!), além de publicar na página do órgão uma notícia sobre este evento específico. Hugo Duarte, presidente da comissão municipal de emprego e responsável pelo São Paulo Confia, falou em uma linha especial de crédito para egressos, por exemplo. Quantas outras iniciativas institucionais ou pessoais podem sair deste encontro?

Creio ser importante reproduzir aqui a mensagem que quase todos os convidados passaram de que é importante não rotular, não duplicar a pena com estigmas e de que é possível, com trabalho sério, fortalecer o círculo virtuoso que inclui o egresso e que considera sua história sem ficar fixado no passado e no ato criminoso. O mundo empresarial tem conhecimentos, expertises, recursos e energia suficiente para entrar neste tema e fazer a diferença, como demonstram exemplos já existentes. Não são suficientes, mas demonstram que há muito mais do que apenas indiferença e exclusão no caminho dos presos e egressos. E você, já pensou neste assunto? O que pode fazer para que trinta mil egressos por ano não fiquem entregues à própria sorte ou ao convite do quarto setor - o do crime organizado?