Este artigo de 2009 não foi publicado aqui no Blog na época. Foi divulgado nos eventos dos quais participei dentro do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça naquele ano.
Valorização da
diversidade e promoção da equidade de gênero nas empresas
Rápido olhar sobre a realidade e princípios gerais
para organizações que buscam qualidade nas relações de gênero.
Reinaldo
Bulgarelli
Txai
Consultoria e Educação
14
de junho de 2009
Participei de alguns
eventos sobre equidade de gênero nos últimos meses e achei interessante
registrar aqui algumas reflexões sobre o tema na perspectiva da valorização da
diversidade e também do mercado de trabalho, sobretudo em grandes empresas,
onde a Txai tem atuado mais fortemente.
- Um rápido olhar sobre a realidade:
¤
As empresas são masculinas, masculinizadas e masculinizantes.
o
Masculinas no número:
§
Quase 90% dos cargos de liderança são masculinos
(Perfil Social Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas
Ações Afirmativas – Pesquisa 2007 - Instituto Ethos/IBOPE)
o
Masculinizadas na maneira de ser – processos,
normas, regras, forma de pensar e agir, de se relacionar, de se comunicar, de
eleger o que é bom para os negócios, de planejar as ações, de reconhecer o que
tem qualidade e o que não tem, o que é aceitável nos comportamentos, o que é
correto na maneira de falar, andar, sentir...
o
Masculinizantes na maneira de impor seu padrão
dominante para todos, homens e mulheres, oprimindo e rejeitando tudo que é
feminino, colonizando, assediando e querendo transformar (converter!) a todos
em homens.
¤
Há um padrão dominante que se impõe e que é
introjetado por todos, homens e mulheres, determinando a maneira de viver ou
sobreviver nessa organização empresarial masculina, masculinizada e
masculinizante.
¤
Compreender que há um padrão dominante que se
impõe a todos e que as empresas são masculinas, masculinizadas e
masculinizantes, deve contribuir para rejeitarmos a crítica fácil de que as
mulheres que chegam em postos de comando parecem “trair” sua condição de
gênero.
o
Essa crítica de que as mulheres são mais
machistas que os homens, que parecem ter gosto por posturas masculinas e,
assim, são “traidoras” da causa feminina, é também expressão do machismo.
Parece uma crítica “profunda”, mas é ingênua e que repete uma retórica machista
que faz desqualificar as mulheres que estão chegando, ainda como exceção, a
postos mais altos nas hierarquias organizacionais.
o
A questão sobre quem é mais machista, o homem ou
a mulher, está inserida na lógica machista e o reproduz com esse falso dilema, que
se preocupa também com sua origem, geralmente atribuído às mulheres.
§
“São as mulheres que educam os homens para serem
desta forma” é uma das afirmações simplistas presentes no nosso cotidiano e que
mais uma vez responsabiliza as mulheres pela própria situação em que se
encontram. É afirmação desrespeitosa quando sabemos que há uma ideologia
machista e que ela existe na relação entre homens e mulheres. Todos, homens e
mulheres, são responsáveis, assim, pela superação ou reinvenção desta maneira
de se relacionar.
o
O inimigo
da mulher não é o homem, mas o machismo, que prejudica a ambos numa rede de
relações marcada pela imposição de um padrão dominante. Esse padrão é assimilado
por todos, homens e mulheres, já que estamos mergulhados num cotidiano machista
que acaba invadindo nossa maneira de ver, sentir e agir em relação às nossas
características masculinas e femininas.
o
O importante não é saber quem é mais machista,
mas compreender que ele está presente na sociedade em geral e também na
organização quando se lida com um “piloto automático” na gestão dos negócios e
dos relacionamentos com diferentes stakeholders ou públicos de relacionamento
direta ou indiretamente interessados na atividade da empresa.
o
O importante é saber que essa presença do
machismo gera um circulo vicioso que causa estragos na qualidade das relações
entre homens e mulheres, portanto, gera relações insustentáveis.
o
É possível, desligando-se o “piloto automático”,
assumir uma postura crítica e construir um circulo virtuoso que educa
funcionários, suas famílias, a comunidade em geral, numa convivência de tipo
novo para uma sociedade mais sustentável também neste aspecto importante da
vida.
o
Os homens, heterossexuais ou não, também sofrem
com o machismo. Nem todos querem seguir a mesma cartilha comportamental imposta
pelo padrão dominante. Não podem chorar, expressar sentimentos, demonstrar
sensibilidade, cuidados com as relações, afeto pelos colegas de trabalho, por
exemplo. Quando o fazem, não são considerados firmes, fortes, sérios,
competentes, enfim, justamente porque apresentam características atribuídas às
mulheres.
¤
A idéia de um “teto de vidro” que oferece barreiras à mulher apenas na
possibilidade dela fazer carreira numa empresa, foi substituída pela imagem de
um labirinto onde a mulher enfrenta um conjunto de obstáculos relacionados à
sua condição feminina e ao machismo que a despreza, desvaloriza e desconsidera.
o
Gosto de usar a imagem da teia para demonstrar
como a rede de relações em que todos estamos inseridos pode funcionar para
excluir, discriminar e impor um padrão dominante, criando assim embaraços, nós,
enredamentos para alguns e proteção para outros.
o
Assim, não é apenas quando a mulher quer subir
de posição na hierarquia da organização que passa a enfrentar problemas, mas
durante toda a sua vida pelo simples fato de ser mulher.
o
A diferença em relação ao padrão dominante se
torna motivo para desqualificações e desigualdades intoleráveis, o que se
reflete no acesso a oportunidades, cargos, funções, salários, benefícios,
educação etc.
¤
A mulher, mesmo quando incluída, no sentido de
ter acesso ao mercado de trabalho, é desvalorizada, desqualificada e tudo que é
feminino, suas características e necessidades específicas, representam
obstáculos dentro desta lógica masculina, masculinizada e masculinizante.
o
O termo “exclusão” não diz tudo sobre a
realidade da mulher no mercado de trabalho porque ela não está apenas do lado
de fora, no desemprego ou alijada de determinadas atividades tidas
tradicionalmente como masculinas.
o
Mesmo quando há uma integração (para não
utilizar o termo inclusão), é uma integração
discriminatória porque exige que a pessoa seja o que ela não é para que
possa sobreviver na estrutura organizacional.
¤
Nesta lógica machista, há um “lugar” para homens
e mulheres. Não cumprir com o papel de gênero esperado pode significar
problemas, mesmo quando se apresentam as condições exigidas para ocupação de
postos ou funções.
o
Dados do IBGE continuam demonstrando (2009) que
quanto maior a escolaridade da mulher, mais sujeita ao desemprego ou a salários
menores ela se encontra. Ela está “fora do lugar”, deslocada do papel que lhe é
imposto, sobretudo quando é capacitada em funções tradicionalmente atribuídas
aos homens, como engenharia, por exemplo.
o
O Ministro do Trabalho Carlos Luppi, comentando
os resultados da RAIS (Relatório Anual de Informações Sociais do MTE), em 06 de
novembro de 2008, disse o seguinte:
§
"Esse
resultado demonstra que quanto maior o nível de escolaridade, mais mulheres
estão no mercado de trabalho. O dado negativo é que mesmo assim, com melhor
escolaridade e por estar em número maior nesta faixa, ela ganha bem menos do
que o homem. O que é uma prova de que ainda temos discriminação no país. O
importante da Rais é que ela faz uma radiografia real, mostrando
inclusive os preconceitos ainda existentes“. Ministro Carlos Lupi, durante a coletiva de
apresentação do resultado da RAIS 2007 em 06/11/2008.
o
Esses dados da RAIS, entre outros, revelam que
há um discurso falacioso de que o problema é social, quando há preconceito e
essa ideologia machista determinando a lógica de funcionamento do mercado em
relação à mulher. O Ministro, acertadamente, fala em preconceito e oferece
pistas para a atuação das empresas na promoção da equidade de gênero.
o
Essa
situação retira eficiência da sociedade porque as mulheres são maioria,
possuem mais anos de estudo que os homens, entre outras qualidades que
deveriam, pela lógica do mercado atual, ser valorizadas.
§
A retórica da meritocracia não sobrevive às
questões de gênero. Dentro da lógica atual, o melhor deveria contar com
reconhecimento, mas isso não acontece e o padrão dominante – branco, masculino,
entre 30 e 40 anos, sem deficiência, heterossexual, entre outros atributos,
acaba sendo privilegiado.
o
As questões de gênero ou o enfrentamento do
machismo transcende os modelos de produção até aqui criados, o que exige fôlego
de todos que assumem compromisso com relações de gênero respeitosas e
equânimes.
§
Sueli Carneiro, importante militante da questão
de gênero e raça, afirmou na Revista Caros Amigos que “entre a esquerda e a
direita, continuo preta”. O mesmo é válido para as mulheres, entre outros
segmentos não assemelhados ao padrão dominante.
o
Mais uma vez é preciso afirmar também que o
inimigo da mulher não é o capitalismo, mas o machismo. Não se deve esperar a
superação do capitalismo, imaginando que automaticamente estaria extinto o
machismo.
§
É uma “idéia
paralisante”, daquelas que invalidam agir no aqui e agora das contradições
desta sociedade.
§
É também uma idéia autoritária porque impõe que
as mulheres tenham paciência e se resignem, se conformem à situação atual
enquanto o mundo novo não acontece. O mundo novo ou mulher melhor acontece com
a participação das mulheres aqui e agora!
¤
Há, além das idéias paralisantes, as idéias
paralisadas. Elas impedem perceber, até mesmo do ponto de vista dos negócios ou
da atividade empresarial em geral, que as mulheres estão assumindo novos papéis,
que a imagem da “sagrada família” congelada e deturpada pelo machismo, não
corresponde há muito tempo à realidade.
o
Faze parte deste conjunto de mudanças perceber
que as famílias atuais são cada vez mais plurais na sua constituição, com
papéis parentais variados e responsabilidades distribuídas de maneira bem
diferente daquela congelada no imaginário da sociedade.
§
Faz muito tempo que os arranjos familiares já
não correspondem a esta imagem de uma estrutura familiar rígida de pai, mãe,
filhos, avós, tios. Há dois ou mais pais, mães, avós, casais do mesmo sexo,
enfim, uma pluralidade de arranjos que precisam ser considerados na definição
de políticas, de estratégias de comunicação, marketing, oferta de produtos e
serviços.
§
Nesta linha, ainda há gestores que, diante de
uma crise, preferem demitir mulheres porque elas não são “chefes de família”,
desconhecendo os dados da realidade brasileira que colocam a mulher em número
cada vez maior nesta função.
§
Empresas que desvalorizam a mulher a ponto de
preferir sua demissão à de homens, não são tão raras e, no computo geral,
causam graves problemas de eficiência à sociedade toda, agravam problemas
sociais, corroem o mercado interno, geram impactos negativos para os próprios
negócios.
§
Mulheres que ganham mais que seus parceiros ou
que assumem a liderança da família em termos de definição do local de moradia,
entre outros aspectos, já não é algo tão raro na sociedade brasileira. No
entanto, ainda há empresas nas quais as mulheres não podem colocar seus
companheiros no plano de saúde, por exemplo, talvez com base nesta idéia
paralisada de que eles é que as sustentam, de que eles são provedores e elas
providas por homens, sejam maridos ou pais. É uma questão de isonomia que
precisa ser considerada.
§
Há empresas que insistem em colocar o corpo da
mulher como forma de vender seus produtos, desconhecendo que são elas
compradoras ou quem define a compra por este ou aquele produto ou serviço.
- Há mudanças em curso, mas são lentas
demais.
¤
Há homens que já começam a se dar conta de que
empresas masculinas, masculinizadas e masculinizantes exigem, por exemplo, sua
total dedicação ao trabalho, às atividades produtivas, o que lhes proporciona o
acesso mais “natural” a postos de liderança, entre outros aparentes benefícios.
o
Estes homens percebem que essa maneira de da
organização funcionar, fruto de escolhas, também os alijou da vida familiar e
de outras dimensões da vida pessoal para além do trabalho. Reclamam que não
acompanham o desenvolvimento dos filhos ou, com maior tristeza, que não viram
os filhos crescerem.
o
Ainda são minoria, mas são homens que começam a trazer a agenda antes apenas feminina ou
feminista para o meio empresarial. Pelo poder que possuem, por serem homens,
são mais ouvidos e sua queixa tende a produzir um repensar neste padrão de
divisão dos papéis de gênero: homem trabalham, são provedores do lar e mulheres
cuidam da casa e dos parentes; o espaço público é dos homens e o privado é para
as mulheres etc.
o
Homens de diferentes idades estão começando a
pressionar as empresas para se reinventarem na maneira de organizar as
atividades produtivas.
§
Empresas já encontram dificuldades para atrair
talentos masculinos mais jovens por conta do item “qualidade de vida”, o que
tem pressionado mudanças, mas os componentes de gênero dessa agenda ainda não
são percebidos pelos gestores empresariais.
§
Homens mais velhos também começam a oferecer
resistência para ocupar postos de liderança quando isso significa suprimir a
vida pessoal. O privilégio da liderança e seus benefícios em detrimento da
qualidade de vida já começa a ser considerado como algo ruim para alguns
homens.
o
A solidariedade com as mulheres não é automática
ou fácil. Apesar da percepção de que algo não está correto nesta forma de
organizar a vida empresarial, ainda são homens e mulheres pensando
separadamente suas questões quando a efetividade desta agenda de mudanças está
na união de esforços.
§
Na Txai, estimulamos que as empresas criem
grupos de funcionários para tratar de questões de gênero, mas ainda é difícil
convencer que estes grupos sejam constituídos por homens e mulheres. Este lugar
dos grupos de segmento, afinidades ou diálogo é propício para a união de
esforços e busca conjunta de soluções que atendam a todos, considerando as
especificidades.
§
A desconstrução do modelo atual ou a reinvenção
das relações de gênero não se dará pela agenda em comum se ela assim não for
percebida e discutida num plano mais amplo. É de grande ajuda quando essa
agenda não é levada apenas como reivindicação que beneficie um segmento da
população, mas quando é propositiva para melhorias na organização empresarial,
alinhada com sua identidade e estratégias.
o
De acordo
com o IBGE no estudo “Tempo, trabalho e afazeres domésticos: um estudo com base
nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 e
2005”, homens mais escolarizados têm maior participação nas tarefas domésticas.
Esta participação dos homens nas tarefas reprodutivas (cuidar da casa, dos
filhos, da roupa, da alimentação, da higiene etc.), significa uma verdadeira
revolução que liberta mulheres e também os homens em vários campos da vida.
§
Segundo o
IBGE, “a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho não reduziu
a jornada delas com os afazeres domésticos. Pelo contrário, na faixa etária de 25 a 49 anos de idade, onde a
inserção das mulheres nas atividades remuneradas é maior e que coincide com a
presença de filhos menores, o trabalho doméstico ocupa 94,0% das mulheres. No
país, 109,2 milhões de
pessoas de 10 anos ou mais de idade declararam realizar
tarefas domésticas; sendo que, deste conjunto, 71,5 milhões (65,4%) são
mulheres e 37,7 milhões (34,6%) são homens.”
§
Na população
masculina, ainda segundo o IBGE, quem mais realiza tarefas em casa são os mais
escolarizados (54%), enquanto que para as mulheres ocorre o inverso.
§
Nem a
aposentadoria representa maiores oportunidades para os homens se dedicarem às
atividades do lar. Segundo o estudo do IBGE, “também pode-se deduzir que a
aposentadoria permite aos homens se dedicarem mais a estas atividades. São os
homens de 60 anos ou mais de idade que dedicam maior parte do seu tempo nestes
afazeres (13 horas semanais). Do lado feminino, o trabalho doméstico consome
mais tempo na faixa dos 50 a
59 anos de idade, chegando a 31 horas semanais, cerca de 3 vezes mais que o
tempo dedicado pelos homens de mesma idade.”
o
Estes
dados fazem pensar também sobre a questão racial presente na sociedade
brasileira, que atribui à mulher negra o papel de cuidar também da casa alheia.
A maioria das empregadas domésticas é negra, o que não é coincidência, mas
fruto da combinação machismo-racismo produzindo um circulo vicioso em que estas
mulheres estão inseridas há séculos.
§
No
trabalho doméstico a mulher negra está sujeita a baixos salários, precariedade
em relação a seus direitos e vulnerabilidades variadas em relação à sua
dignidade. Há famílias em que a avó, filhas e netas estão inseridas neste
circulo vicioso que impacto a educação das novas gerações e, portanto, o
projeto de vida de todos.
§
Pensando
nas estratégias de enfrentamento das iniqüidades de gênero nas empresas, é
fundamental considerar transversalidades como idade, orientação sexual,
deficiência, raça/cor, regionalidades, uma vez que fazem toda diferença na
qualidade dos resultados.
§
Ser mulher
é um dos marcadores identitários, que deve ser percebido, portanto, na sua
complexidade em relação a outros marcadores que enriquecem a visão sobre a
realidade e a qualidade das ações de valorização da diversidade.
¤
A importância das ações afirmativas:
o
As mudanças são lentas demais e precisam de
ações afirmativas para corrigir e acelerar o processo. São 40 anos de presença
da mulher branca no mercado de trabalho e já era tempo da equidade de gênero
ser uma realidade.
§
A mulher negra, desde a escravidão, sempre teve
uma presença significativa no mercado de trabalho formal ou informal, sobretudo
nas posições mais vulneráveis e precárias.
§
O argumento de que não houve tempo para formar
uma liderança feminina é estranha e coloca a responsabilidade da situação no
desempenho da mulher, quando há um problema com o machismo, discriminação e,
portanto, problema no desempenho das empresas ao fazer negócios numa sociedade
na qual mais de 50% da população é constituída de mulheres.
§
O Brasil
fica na 100ª posição entre 130 economias num índice de desigualdade salarial
entre homens e mulheres (Fórum Econômico Mundial, 2008). Segundo o estudo, as
mulheres receberiam até 42% a menos que os homens por trabalho similar no país.
A Noruega, Finlândia e Suécia são os melhores países em termos de igualdade do
gênero.
§
O Fórum
Econômico Mundial afirma que, quanto maior é a participação das mulheres na
vida econômica de um país, mais desenvolvido ele é.
o
As mulheres são maioria na sociedade, têm melhor
desempenho na educação, estão presentes em cursos dos mais variados (técnicos
ou de nível superior) e já são quase 50% da população economicamente ativa. Há
capital humano no país para que seja realizada essa transformação na demografia
interna das empresas.
o
O perfil das vagas está cada vez mais feminino.
Exige-se capacidade de comunicação, responsabilidade social, sensibilidade,
competências emocionais, cuidado com o todo, gestão dos impactos etc. Há o
risco até de feminizar a gestão e desequilibrar novamente, o que é não é a
perspectiva da diversidade, mas o machismo faz com que a escolha seja sempre
pelos homens, não reconhecendo qualidades nas mulheres, mesmo as mais
preparadas.
o
A lenta transição para inclusão da mulher no
mercado de trabalho e promoção da equidade de gênero (duas faces da mesma questão)
está passando por atitudes ainda machistas de atribuir à mulher as funções
“delicadas”, enfim, que reforçam os estereótipos de gênero. É a “guetização” do
trabalho feminino, o que não é bom para as mulheres, para os homens, para as
empresas e para a sociedade.
§
O que é relacionado ao cuidado é reconhecido
como “próprio” para as mulheres e as atividades oferecidas são como que uma
extensão das atividades do lar.
§
A idéia central, defendida pela OIT (Organização
Internacional do Trabalho/ONU) é que não há atividade masculina ou feminina, ou
seja, atividades próprias para mulheres e para homens.
o
Há mulheres, não apenas homens, que boicotam os
programas empresariais de ação afirmativa que visam promover sua ascensão na
carreira. É o machismo fazendo seus estragos. Dizem elas que querem ser
reconhecidas pela competência profissional e não por serem mulheres.
§
Quando encontro esse discurso, pergunto se
alguém já viu um homem em crise, os 90% que atualmente ocupam os postos mais
altos nas empresas, querendo saber se foram promovidos por serem competentes ou
por que são homens. Sabemos a resposta: foram promovidos por serem homens. Ser
competente é outra informação que deve ter sido considerada, mas não é a
determinante senão teríamos um número bem maior do que os 10% atuais nestes
lugares de liderança.
§
Ser mulher é uma característica a ser
considerada como motivo para contração ou promoção porque isso é justo, faz bem
para a empresa e para a sociedade. Ou seja, a composição mais equilibrada do
quadro de funcionários de uma empresa se torna uma competência organizacional,
algo fundamental para a relação da empresa com seus diferentes públicos no
cumprimento de sua missão institucional.
§
Essa tentativa de retirar da vida profissional
da pessoa uma característica tão significativa como ser homem ou ser mulher é
uma face cruel do machismo. Ser homem ou ser mulher, assim como toda e qualquer
outra característica da vida humana, deve ser considerada em tudo que somos e
fazemos.
o
Empresas que realizam ações afirmativas para
promoção da equidade de gênero trazem para dentro da organização aprendizados
interessantes para os negócios, para a leitura da realidade onde operam suas
atividades e para a realização de várias outras medidas que expressam compromisso
com direitos humanos universais e o desejo de mudar a realidade, não apenas se
conformar a ela.
§
O extremo
educa! Por meio das ações de valorização da diversidade, como a promoção de
equidade de gênero, cria-se um ambiente de aprendizagem em que as diferenças e
semelhanças são consideradas como riquezas e não problemas. Essa aprendizagem
gera atenção maior para pequenas e grandes questões que afetam clima, cultura,
demografia interna, entre vários outros aspectos da vida organizacional. Se não
sabemos lidar com diferenças de gênero, qual a abertura que se tem para lidar
com diferenças de opinião, outras idéias, perspectivas e possibilidades na
solução de problemas ou no planejamento das ações?
III.
Crenças
e princípios básicos para promoção da equidade de gênero
¤
A valorização da diversidade é uma atitude, uma
forma de olhar e agir sobre a realidade que, por princípio, vai sempre
privilegiar o que é mix ou heterogêneo. É o melhor jeito de viver, de ser e de
realizar nossas atividades no mundo.
o
Não basta apenas incluir a mulher, é preciso ouvi-la,
considerar as características, visões, interesses, perspectivas, demandas para
que a organização não seja apenas masculina, masculinizada e masculinizante.
o
Não se trata de substituir o padrão dominante (apenas
mulheres no poder!), mas de transformar relações e estruturas para que sejam,
na demografia, na maneira de ser, olhar, pensar, planejar e agir, tão femininas
quanto masculinas.
o
Homens e mulheres precisam e podem cooperar,
trabalhar juntos para o sucesso da organização e da sociedade.
o
Promoção da equidade de gênero supõe inclusão e
esta supõe qualidade das interações, além de garantias no acesso às
oportunidades. A qualidade das relações de gênero é expressão de uma
organização sustentável e que contribui para o desenvolvimento sustentável.
§
Não se pode paralisar um processo de promoção da
equidade de gênero em nome de uma suposta perfeição na qualidade da inclusão –
idéias paralisantes! É um processo que envolve aprendizados na convivência,
reflexão sobre a prática, sobre o cotidiano onde acontecem as interações entre
homens e mulheres.
¤
O inimigo da mulher não é o homem, mas o
machismo, uma ideologia a serviço de manter um segmento subordinado ao outro em
estruturas de poder político, econômico e cultural que aparentemente beneficiam
os homens. O machismo não beneficia ninguém e sobreviver nesta ideologia gera
custos imensos às pessoas, organizações e à sociedade.
o
O machismo, como ideologia, alimenta e é
alimentado por processos de desqualificação, desvalorização, desconsideração da
mulher, ou seja, comportamentos de violência física e psicológica que afetam a
qualidade das relações. É uma relação insustentável para homens e mulheres!
¤
Organizações tão masculinas quanto femininas são
mais sustentáveis e trabalham para o desenvolvimento sustentável da comunidade
local, dos países e do planeta.
¤
Dados do Fórum Econômico Mundial – Empoderamento
das Mulheres, 2005, entre outros estudos nacionais e internacionais, demonstram
que o investimento em equidade de gênero tem impacto positivo no PIB dos países
e, evidentemente, na formação de uma cultura mais inclusiva, favorável ao
desenvolvimento sustentável.
o A
desigualdade atual: “Em todo o mundo, desconsiderando o setor agrícola, tanto
em países desenvolvidos como em desenvolvimento, mulheres ainda ganham menos de
78% da remuneração paga a homens pelo mesmo trabalho, uma disparidade que
insiste em persistir, mesmo em países mais desenvolvidos.” Empoderamento das
Mulheres, 2005.
o Há
uma preocupação crescente com o mercado interno em tempos de exportações cada
vez mais difíceis. Neste mercado interno e na base da pirâmide do país há um
significativo número de mulheres que podem alimentar um circulo virtuoso de
desenvolvimento se houver equidade de gênero. No momento atual, o desprezo pelo
feminino gera uma barreira ao próprio desenvolvimento do país, ferindo
princípios de direitos humanos universais e a dignidade das pessoas.
¤
Uma organização é inclusiva quando nelas as
mulheres não precisam escolher entre a carreira ou a família, quando o que é da
natureza não é transformado em problema e o que é construído nas relações
sociais não é naturalizado e perpetuado sem qualquer crítica às estruturas que
geram violência e exclusão.
o
Estudo da OIT (Custos do Trabalho de Homens e
Mulheres na América Latina: Mitos e Realidade, de Laís Abramo, atual diretora
do escritório da OIT no Brasil), concluiu pela necessidade de promover maior
equilíbrio entre trabalhadores de ambos os sexos.
o
Diz Laís, em entrevista à Revista BOVESPA: “De
fato, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho com força cada vez
maior. Mas o grande problema é que ainda são vistas como as principais
responsáveis pelos cuidados com a casa e os filhos. Ainda não aconteceu uma
divisão mais equilibrada de responsabilidades familiares entre homens e
mulheres. Apesar de ingressar no mercado de trabalho, a mulher continua sendo
responsável pela administração da casa, dos afetos, dos cuidados domésticos. Os
homens ainda não assumiram seu papel nesta esfera. É importante que isso seja repactuado,
que a empresa seja um ambiente mais favorável para esta articulação entre o
trabalho e as outras dimensões da vida e haja políticas de reconciliação entre
o trabalho e a vida familiar que permitam tanto ao homem quanto à mulher uma
vida mais equilibrada. Existe uma visão de que o custo de contratação das
mulheres seria mais elevado, o que justificaria o fato de seus salários serem
mais baixos. Na verdade, isto é um mito: quem paga as despesas com
licença-maternidade, e a maioria dos outros custos ligados à reprodução não é a
empresa, mas a Previdência. Pesquisa feita em cinco países da América Latina
constatou que o custo adicional da contratação das mulheres é irrelevante e não
pode justificar os salários menores.”
¤
Uma organização é inclusiva quando promove
equidade de gênero e isso significa envolver homens na reflexão sobre seu papel
na empresa e na família, buscando atitudes mais responsáveis no trato de
questões da vida ou das tarefas reprodutivas.
o
Quanto mais os homens participam das tarefas relacionadas
à casa, à família, mais humanizam a empresa. As estruturas, hoje baseadas na
liberação total do homem para se dedicar ao trabalho, o que favorece sua
carreira, cederão lugar para uma empresa mais próxima da vida real em termos de
sua demografia, comportamento, atitudes e procedimentos.
¤
O aparente sucesso de homens numa estrutura
masculina, masculinizada e masculinizante se deve ao fato de serem homens e não
apenas à sua competência, o que precisa dar lugar a critérios mais objetivos de
promoção e construção de uma organização competente.
o
Ser mulher numa empresa é uma característica a
ser considerada no conjunto de competências e qualificações de que a
organização necessita para fazer negócios num país com homens e mulheres.
¤
Organizações que promovem equidade de gênero
estão construindo uma competência organizacional com diferenciais competitivos
e significativos para lidar com um mundo também diverso e com valores que estão
cada vez mais próximos do respeito à diversidade.
¤
O sentido da promoção da equidade de gênero é o
de ampliar as possibilidades de cooperação entre homens e mulheres na
construção de vidas, organizações e países mais sustentáveis.
o
É mais do que apenas ter um lugar reservado pela
justiça, mas um processo de inclusão baseado em valores universais de direitos
humanos que supõem trabalhar intensamente e a qualidade das interações para que
gerem benefícios a todos no enfrentamento dos desafios da vida.
o
É a construção de espaços de interação criativa
em torno do desafio comum do desenvolvimento sustentável, no qual homens e
mulheres podem trocar, aprender uns com os outros, ampliar sua sensibilidade
para considerem aspectos de gênero em tudo que são e fazem, ampliando também a
sensibilidade da empresa e da sociedade.
¤
Não há melhor lugar do que a empresa para se
reverter a lógica atual de desprezo pelo feminino e reconstruir relações de
gênero baseadas na valorização da diversidade. É um espaço educativo, de
aprendizados importantes para a vida e para influenciar processos educativos na
sociedade, na rede de relações em que as organizações estão inseridas. Apostar
na equidade de gênero é apostar na empresa e no desenvolvimento sustentável,
com tudo que isso implica para a maneira de ser empresa e ser sociedade nos
tempos atuais.
O
que fazer diante concretamente nas empresas diante destas reflexões sobre a
realidade e o conjunto de princípios aqui definidos? É tema para outro artigo,
apesar das muitas pistas presentes neste texto. Para adiantar, vale a pena
conhecer dois documentos:
O
Brasil ainda não ratificou a Convenção 156, mas há empresas trabalhando na
direção de maior equilíbrio entre vida pessoal e trabalho envolvendo homens e
mulheres neste desafio. Conhecer o texto da Convenção pode auxiliar no
entendimento da temática, contribuir para ações empresariais sintonizadas com o
que há de mais avançado na discussão e acelerar o processo de ratificação no
país.
Reinaldo Bulgarelli é sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação que atua no campo da sustentabilidade e
responsabilidade social empresarial. É autor do livro “Diversos Somos Todos”,
Editora de Cultura.