terça-feira, 24 de maio de 2011

Abdias do Nascimento faleceu hoje, 24 de maio de 2011

Abdias do Nascimento
Por Reinaldo Bulgarelli, 24 de maio de 2011

Eu era um adolescente de 16 anos em 1978 quando ajudei meu amigo Renato Wagner Oliveira Nascimento a fundar o grupo de jovens da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo. Foi inevitável que passássemos a pensar a questão do negro e das relações raciais, mesmo porque a cidade, o país o mundo estava discutindo a questão racial. Na TV, o seriado Raízes levantava a questão e a moral dos negros. O black power não era apenas um penteado, mas uma maneira de ser e olhar o mundo.

Eu e Renato íamos a manifestações do movimento negro nas ruas do centro de São Paulo. Algumas, como o treze de maio, aconteciam na própria Igreja do Rosário, com a imagem da Mãe Preta no Largo do Paissandú servindo de referência para os protestos contra a data.

Meu grande encontro com a questão, do ponto de vista intelectual, foi na escadaria do Teatro Municipal. Lá Abdias do Nascimento discursava numa manifestação do Movimento Negro Unificado, que surgia exatamente neste mesmo 1978. O que ele dizia fazia sentido a tudo que eu mesmo experimentava como branco e como branco na convivência com amigos negros. Não era uma questão apenas de entender, mas de sentir. Não era uma questão de concordar com tudo, mas de ver alguém com a alma exposta naquilo que dizia e fazia e gesticulava. E como gesticulava o Abdias.

Abdias virou minha referência. Depois veio o União e Consciência Negra e outros espaços para pensar a questão das relações raciais. Tudo isso me moldou, fez pensar o que era ser branco numa sociedade racista, qual era o meu papel, o que poderia e deveria fazer e assim tem sido, em constante reflexão sobre isso.

Gostatamos tanto de citar Mandela, com toda razão, mas Abdias era nosso Mandela, com denúncias contundentes e anúncios de um futuro sonhado que servem de horizonte para muitos. Uma vida tão longa, 97 anos, não foi suficiente para ver todos esses sonhos realizados, mas não foi em vão. Ele é exemplo de alguém que soube viver seu tempo e lugar. Isso nunca é em vão. 

Não se mede uma vida apenas pelos resultados das lutas que a pessoa travou, mas pelos sonhos que nos fez sonhar. As pessoas vão embora, mas os sonhos ficam para conduzir gerações. Neste caso, o sonho de um país racialmente justo, sem discriminação, onde a diversidade possa ser mais do que uma característica, mas a nossa maior força.

Descanse em paz nosso guerreiro Abdias e um imenso agradecimento do jovem que te viu bradar nas escadarias do Teatro Municipal para nunca mais te esquecer.

Postei um vídeo com Abdias no meu canal no Youtube. É do Programa Espelhos, com Lázaro Ramos: http://www.youtube.com/user/ReiBulga?feature=mhee