Foi publicada na Revista Página 22, uma matéria fruto do casamento entre o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas e jornalistas independentes. Eu contribuí falando sobre educação, sustentabilidade e diversidade, claro! A matéria é de Amália Saflate, velha conhecida nas boas produções sobre sustentabilidade com visões amplas e avançadas do tema. Segue um trecho da matéria: (...) "Ele (Carlos Brandão, da UFMG) cita o físico norte-americano Thomas Kuhn, para quem foram a aproximação e a reorganização do conhecimento, e não o acúmulo dele, que levaram ao desenvolvimento da ciência, da cultura e da sociedade. Segundo Kuhn, essa aproximação e essa reorganização se devem menos às descobertas e invenções do que a um novo olhar depositado sobre as mesmas coisas e os mesmos conteúdos já existentes. Para Brandão, esse olhar que atravessa os conhecimentos, impulsionado por algo que está além e aquém das disciplinas, é um sintoma de transdisciplinaridade.
Um olhar diferente que, pela inovação que apresenta e o desafio que provoca, teria potencial de envolver e estimular os alunos.
Brick in the wall
Para começar, esse olhar disciplinar, voltado para a compreensão dos diversos níveis de realidade, se faz necessário para romper os muros que costumam separar as escolas do seu entorno, especialmente as particulares. “Será que as escolas estão em contato com a comunidade à sua volta? Se houvesse mais porosidade, a educação para a sustentabilidade aconteceria naturalmente, pois esta é, sobretudo, transversal”, diz Reinaldo Bulgarelli, especialista em temas da diversidade e professor da Eaesp na área de responsabilidade social corporativa. Ele compara muitas escolas particulares a shopping centers, que fazem o aluno esquecer o lado de fora e acabam por formar ambientes segregacionistas.
Ainda que políticas do governo busquem criar oportunidades de inclusão por meio do sistema de cotas e do Programa Universidade para Todos (ProUni), o ensino de qualidade no Brasil, como se sabe, é acessado principalmente pelas classes favorecidas, perpetuando a imobilidade social.
“Quem está discutindo sustentabilidade é uma elite, mas ser sustentável é ser inclusivo”, afirma. A seu ver, o desrespeito à diversidade ainda é tão grande na sociedade brasileira que chega a ser sentido em turmas mais homogêneas. Bulgarelli descreve as queixas das alunas em grupos de discussão dos quais participa. “Até as brancas e ricas sofrem discriminação. Elas dizem: ‘Eu estudo tanto quanto meu colega, mas no mercado de trabalho é ele que vai ser meu chefe. Se é assim, prefiro não lutar por um cargo de chefia, vou tentar equilibrar o trabalho com a satisfação na vida pessoal’.” Por isso, segundo Bulgarelli, tem uma turma imensa de mulheres montando o próprio negócio ou optando por uma vida fora do País.
Já nas escolas públicas o problema é a porosidade à violência. “Diria até que em alguns casos há conivência, pois não se interpõe um filtro, não se executa um projeto para trabalhar a questão”, diz. E descreve situações que parecem banais, mas podem marcar profundamente as crianças e causar ressentimento ou revolta. Em geral, os professores, que se colocam como detentores do conhecimento, são brancos, e os alunos, negros. Nas creches, as crianças brancas costumam ser penteadas pelas professoras brancas, que não têm o know-how de pentear o cabelo das crianças negras. Estas acabam penteadas pela merendeira, pela copeira, que estão abaixo na hierarquia de poder nas escolas. Assim, diz Bulgarelli, o momento de ser arrumado, de ser cuidado, do prazer desse contato físico e emocional, vem com uma carga de segregação.
Será um tipo sutil de violência, ainda que não intencional? Que efeitos isso pode ter nos corações e mentes dessas crianças e como isso vai afetar a sua formação na escola e na sociedade?
“A ciência não deu conta do sofrimento do homem”, diz Maria de Mello, do Ciret. O ensino, enquanto mero transmissor do conhecimento científico, não dará conta das demandas e das carências da humanidade.
Pagina22 - Informação para o novo século