Conquistas masculinas
Reinaldo Bulgarelli, 08 de março de 2012
Mais
visibilidade, mas a desigualdade continua
As mudanças que estão ocorrendo no país nos últimos anos,
sobretudo com a entrada significativa das mulheres no mercado de trabalho, faz
pensar sobre a visibilidade que elas estão ganhando, apesar da persistência das
desigualdades. Elas estão mesmo mais visíveis e, com isso, diversificando a
gama de assuntos relacionados ao ser mulher no mundo contemporâneo.
O inimigo da
mulher é o homem ou é o machismo?
Contudo, as relações de gênero permanecem invisíveis. Pouco se
fala que o grande inimigo da mulher é o machismo e que ele se dispõe, com as
devidas peculiaridades, para homens e mulheres, passeando com sapato de pregos por
todas as cabeças. Os prejuízos do machismo para as mulheres estão sendo
desvelados e explicitados quanto maior a presença delas em diferentes lugares
na sociedade. Mas, e os homens?
Impacto no
número de avanços, na velocidade e na qualidade dos mesmos
A invisibilidade do tema das relações de gênero, que envolve
homens e mulheres nos seus papéis construídos socialmente, deixa o debate
empobrecido, pode estar limitando o número e a qualidade dos avanços. Digo isso,
para não generalizar, a partir do olhar sobre a realidade empresarial e do
movimento de mulheres surgido no âmbito das grandes empresas durante a última
década.
Práticas com
foco em mulheres que fingem não existir o machismo
Elas, as mulheres, estão se organizando em grupos para
discutir as velhas e novas situações que estão enfrentando. Aumentou o número
de mulheres nas empresas e elas estão em atividades, incluindo a liderança,
onde nunca estiveram antes. Há mesmo muitos assuntos a serem abordados e é
importante se unir para tratar disso tudo. Há grupos que, aliás, só pensam na
questão da carreira, sobretudo nas empresas que trabalham com metas. Há
programas de mentoring com foco em mulheres e muitos deles eu mesmo ajudei a
criar. Tenho participado de eventos fantásticos que envolvem até dicas de etiqueta,
moda, e finanças pessoais. Excelente! Mas, e os homens?
Discussão
empobrecida, resultados empobrecidos
A pobreza desta abordagem está na ausência de conceitos que
tratem das relações de gênero nesta nova configuração, o que impacta as
práticas. Se há um mundo perfeito que não contempla as mulheres, a tarefa é entrar
nele e ocupar todas as posições. Os homens são os inimigos – assim citados
explicitamente ou de forma velada, que devem ser removidos para dar lugar a
esta marcha triunfante.
Só é real e
efetivo o que cabe na planilha de Excel
Parte desta pobreza na abordagem se explica na própria
ideologia do machismo, mas parte também está relacionada à peculiaridade do
mundo empresarial e sua cultura de rejeição a tudo que não seja prático,
concreto, com planos e resultados que se encaixem numa planilha de Excel. Mesmo
onde há uma liderança de alto escalão em busca de novas ideias, refletindo e
filosofando sobre a identidade organizacional, a marca e o contexto social,
político, cultural e econômico, impera nos escalões abaixo a rejeição e a
desqualificação disso tudo.
Tudo que significa
mudança é teórico, blá-blá-blá...
Como relações de gênero parece conceito complexo demais para
caber na planilha, as práticas acabam projetando os conceitos adotados
implicitamente. Toda prática expressa uma visão de mundo, um conceito, quer queiram
ou não aqueles defensores da queima de livros. Dizem que é teórico tudo que
envolve uma nova maneira de agir na realidade e dizem que é prático tudo que confirma
o que pensam e lhes garante conforto.
Ocupar lugares
e transforma-los!
Nesta triste história de rejeição e desqualificação do
pensar, as práticas demonstram certa ingenuidade ao achar que a tarefa é apenas
entrar e ocupar espaços neste mundo perfeito. Tenho abordado essa questão das
organizações masculinas, masculinizadas e masculinizantes como uma forma de
chamar a atenção para este mundo nada perfeito, buscando que se amplie a
reflexão sobre o lugar a ser ocupado e, mais que isso, transformado.
Um mundo para
as mulheres, das mulheres ou com as mulheres?
Queremos organizações do jeito que são hoje, mas com mais
mulheres? Queremos organizações apenas de mulheres? Ou será que queremos organizações
que sejam tão masculinas quanto femininas na maneira de ser, de planejar, de
agir ou de operar seus negócios? Essa última alternativa é a que defendo,
sabendo que ela envolve uma transformação de homens e mulheres, de suas
relações e, portanto, da dinâmica das organizações.
Um mundo feminino ou um mundo que valoriza a diversidade?
Há quem defenda que mulher é melhor em tudo, portanto, que o
mundo ideal seria liderado pelas mulheres. Mas há quem defenda, como eu, que a
riqueza está na diversidade, no processo de interação entre homens e mulheres,
algo complexo, dinâmico e que está agora acontecendo bases que há dez, vinte ou
quarenta anos atrás não existiam. Na interação dada, os homens mandam e as
mulheres os servem. Na interação trabalhada intencionalmente na direção da
diversidade, homens e mulheres repensam seus papéis, suas histórias e seus
projetos de vida, considerando suas características e as novas necessidades.
Mulheres e
homens que se reinventam
Não há avanços significativos sem o envolvimento dos homens.
Assim como as mulheres, eles são parte do problema e também são parte da
solução quando a questão é enfrentar o machismo. Na defesa de suas posições e
privilégios, não sejamos ingênuos, muitos homens se colocam como inimigos das
mulheres e arrumam argumentos até sofisticados para dizer por que elas não
estão presentes e jamais deveriam estar. Mas o enfrentamento do machismo é algo
que permite superação de práticas, reinvenção de si mesmo, repensar papéis e
reconstruir a própria história em novas bases.
Provedores e
cuidadores
Um dos efeitos do abandono dos homens pelo caminho é que as
mulheres estão conquistando o lugar de provedoras, mas acumulando o papel de
cuidadoras. E os homens? Estão dividindo com as mulheres o papel de provedor,
mas não estão assumindo o papel de cuidadores. O que se busca? Parece que é mais
interessante a todos termos homens e mulheres que sejam ao mesmo tempo provedores
e cuidadores. As tarefas reprodutivas não chegaram ainda ao mundo masculino na
mesma proporção que as tarefas produtivas estão sendo assumidas pelas mulheres.
Mulheres
liberadas e homens interditados
Sempre cito em minhas apresentações que há anos atrás as
meninas eram proibidas de brincar com os meninos, com seus brinquedos e rituais
que estes envolvem, assim como os meninos eram interditados de brincar com as
meninas, seus brinquedos e rituais. Hoje, os meninos continuam interditados
enquanto as meninas brincam de tudo. Qual o impacto disso na vida das meninas?
E dos meninos? Eles continuam, por exemplo, não brincando de boneca, de
casinha, deixando de se preparar para um mundo onde terão cada vez mais que
conviver com mulheres que trabalham, que os chefiam, que são seus pares em
tarefas para as quais não foram preparados.
Infantilização
dos homens – novos desafios e as mesmas respostas
Poderemos ter homens solitários, que não conseguem
estabelecer uma relação significativa com mulheres, principalmente quando elas também
mandam, são provedoras e até ganham mais do que eles. Temos homens
infantilizados frente aos desafios do nosso tempo, com respostas velhas e simplistas
para questões atuais. Mas, eles se sentem convidados a se reinventar?
Empresas contemporâneas
e homens trogloditas
Se hoje a competência é baseada na capacidade de
comunicação, de cuidar da equipe, de cuidar da qualidade das relações com todos
os stakeholders, na sensibilidade, no olhar o todo, receber e dar feedback,
quem tende a receber melhor avaliação? Quem foi educado para cooperar, cuidar,
considerar impactos e quem foi educado para competir, prover e para ter foco? No
mercado de trabalho, eles estão sendo cada vez mais avaliados de maneira
negativa frente à exaltação dos atributos femininos, mais sintonizados com o
perfil da empresa contemporânea e com os desafios do momento.
Muitos desafios
e muitas possibilidades ao alcance de todos
Chegaremos a algum lugar interessante sem que homens e
mulheres estejam juntos realizando estas reflexões e compartilhando visões,
interesses e aprendizados? É possível que apenas as mulheres se livrem ou nos
livrem a todos do machismo? O Dia Internacional da Mulher foi criado para
darmos mais atenção a estas reflexões sobre como queremos ser homens e mulheres
no século XXI. Não temos apenas problemas, mas há muitas possibilidades que
estão colocadas e cuja potencialidade de transformação de nós mesmos e do mundo
pode no levar a lugares muito melhores do que os atuais. É uma tarefa apenas
das mulheres?