Mulher grávida teclando no trabalho |
por Reinaldo Bulgarelli
O chefe quase teve um troço. A notícia da gravidez
era o mesmo que decreto de falência da empresa. A área tinha quinze mulheres,
todas jovens, todas solteiras, na medida da encomenda feita ao pessoal do
recrutamento e seleção da empresa. No entanto, era a quinta a anunciar que sairia
de licença maternidade. Anuncio feito, resta ao chefe avisar ao chefão de que
não dariam conta de tanto trabalho.
E o chefão foi logo avisando que não haveria
contratações para substituir as “faltosas”. Disse que isso era praga
daquela mulher demitida por ter saído de licença maternidade. Ela só havia
combinado a gravidez com o pai da criança e não com o chefe. Assim que voltou,
foi devidamente punida. A mulher tem que escolher porque ali era lugar de
trabalhar e não de ter vida, muito menos de gerar outras vidas.
O chefe voltou pra sua sala com a firme
determinação de pedir ao RH um plano efetivo para o engajamento das
colaboradoras. Engravidando, não estavam sendo nada colaboradoras. Precisavam
entender que a empresa queria sua entrega total pelos próximos trinta anos, nem
que fosse para demiti-las nos próximos meses, ao bel prazer do chefão e sua
contabilidade. O plano de engajamento de corpos e almas teria uma mensagem
explicita de que engravidar seria considerada alta traição para com os valores
e o sucesso da empresa.
No primeiro dia de palestras, o consultor
subserviente às ordens do RH, distribuiu bombons às colaboradoras, leu poesia
sobre o que era ser mulher no século XXI e deu o recado do chefe e do chefão:
ou a vida ou o trabalho. Nada menos que entrega total ao trabalho seria
entendido como aceitável. Disse também, alertando que era opinião pessoal, que
defendia exames para identificar grávidas em processo seletivo. Ah, também
disse que defendia demissão por justa causa para quem faltasse com desculpa de
que tinha passado o dia na fila do pronto-socorro tentando atendimento para a
criança.
Mensagem dada, os resultados foram medidos e o
número de faltas diminuiu, mas a produtividade também. O clima foi medido e as
mulheres eram as mais críticas. Já não eram mais as colaboradoras que
colaboravam com o chefe. Lá vai o chefe de novo para a sala do chefão com o
plano de demissão coletiva para contratação apenas de homens. O chefão lamentou
muito porque iriam perder o enfeite da empresa, que era a mulher, o perfume da
produção, a única beleza entre os barbudos da liderança, toda masculina,
evidentemente. Ele lembrou-se do último dia das mães em que fizeram uma
homenagem à sua querida mãezinha. Todos cantaram a música do Teixerinha, mas
ele, evidentemente, não chorou. Não seria profissional.
Passada a lamúria, fizeram as contas e viram que o
imenso prejuízo com as demissões compensaria. Não teriam mais essas licenças
maternidades. O ajudante do chefão começou a pensar no futuro e a celebrar uma
empresa sem mulheres, sem lágrimas, sem TPMs, sem a voz irritante das mulheres
em seus ouvidos. O chefe lembrou-se de que não podia chamar a atenção de uma
mulher que elas logo choravam. Com os homens, dizia ele, podia gritar, dar na
cara, passar por cima que estava tudo bem.
O ajudante lembrou também que nem teriam mais a
despesa para fazer um banheiro feminino no interior da fábrica, já que só havia
um bem distante, no prédio administrativo. E por ai foi, até se darem conta de
que deveriam fazer uma festa dos barbudos para celebrar a nova era da empresa.
Foi agendada a festa para o dia das mães, reunindo os barbudos para cantar
novamente, mas depois do expediente.
A empresa cumpriu seu plano, demitiu todas as
mulheres, cerca de 20% da empresa, com direito a aperto de mão na saída,
devidamente acompanhada pelos seguranças, gentis colaboradores terceirizados. O
sindicato reclamou, mas nem tanto quanto da última vez em que decidiram demitir
os velhinhos da empresa, aqueles sujeitos com mais de 30 anos que colocavam o plano
de saúde em risco, segundo cálculos do especialíssimo consultor.
Nem no RH havia mais mulheres. Foram as últimas a
serem demitidas. A empresa estava do jeito que o chefão queria. Faliu? Não.
Hoje, como esta empresa, há muitas que nem têm que colocar mensagem pelo dia
das mães. Mesmo assim, sobrevivem e vão pra frente. Achou que eu dizer que elas
faliram? Olhe os dados do mercado de trabalho, sobretudo os dados sobre
mulheres em postos de liderança. O chefão continua fazendo estragos.
Mas, e todos esses dados sobre as mulheres serem
maioria da população, mais escolarizadas, mais isso e mais aquilo? A lógica do
machismo não segue a lógica do mundo, mesmo a lógica do capitalista mais
mesquinho. Há empresas ainda hoje que desprezam as mulheres e têm lucros exorbitantes.
Não estão nem aí para as estatísticas e muito menos para a vida. Dão seu jeito,
mesmo que seja complicadíssimo achar os tais talentos, desde que sejam homens.
Se o argumento é apenas esse das estatísticas, do
pragmatismo ou da economia inteligente, não há muitas esperanças. O problema é
o machismo, que insiste e persiste tornando possível, à custa de toda a
sociedade, um mercado de trabalho masculino, masculinizado e masculinizante.
Não se trata de contrapor com uma lógica
empresarial o que o próprio mundo empresarial produziu. Trata-se de reconectar
com a vida como ela é e reinventar a administração à luz de novos valores e da
lógica da sustentabilidade. Dá pra viver sem as mulheres e, mais ainda, obter
lucros à custa de sua humilhação nas propagandas da empresa, vendendo produtos
para elas sem que sejam consideradas do lado de dentro dos departamentos.
Trata-se, portanto, de uma visão de mundo, da escolha de um projeto de empresa
e de país. Qual é a sua escolha?
*Publicado originalmente em 13 de maio de 2013 no Blog do Guilherme Bara - http://www.blogdoguilhermebara.com.br/para-o-dia-das-maes-mesmo-quando-elas-ainda-estao-do-lado-de-fora-da-empresa/