sábado, 18 de maio de 2013

Meio ambiente, direitos humanos e o desenvolvimento sustentável


A sustentabilidade e seus mundos em conflito
por Reinaldo Bulgarelli
17 de maio de 2013

Empresa sustentável é aquela que trabalha para o desenvolvimento sustentável, ou seja, uma agenda ampla que visa melhorar o mundo ou até salvar a espécie humana da extinção. É uma nova utopia, como dizem alguns, impondo-se para além da tradicional polaridade entre esquerda e direita.

Os profissionais que trabalham na área de sustentabilidade e responsabilidade social empresarial devem contribuir para que a organização aprenda o mais rápido possível a gerenciar seus impactos positivos e negativos na relação com todos os stakeholders. É um profissional que habita a intersecção entre a empresa e a sociedade, entre os setores privado, público e não governamental.

A agenda envolve aspectos econômicos, sociais, ambientais, tanto quanto aspectos culturais e políticos, entre outros, tudo junto e ao mesmo tempo. É um profissional que integra diferentes olhares porque a agenda para tornar o mundo mais sustentável assim o exige. Mas, não é tarefa fácil.

No histórico do tema no mundo, há uma apropriação dos sujeitos que atuam no campo do meio ambiente e do econômico, mais atentos aos dramas vividos pelas muitas espécies, em função do modelo de desenvolvimento destruidor da natureza. Também há uma apropriação dos sujeitos que atuam no campo dos direitos humanos, mais preocupados com aspectos culturais, sociais, políticos, com as desigualdades e injustiças que impedem o desenvolvimento sustentável.

No âmbito dos documentos produzidos pela ONU, não houve uma separação, mas uma integração dos muitos olhares. Mesmo os documentos que falam sobre o clima, por exemplo, abordam a questão com envolvimento do humano como parte do problema e da solução. O desenvolvimento sustentável é desenvolvimento humano no contexto da natureza onde todos vivem e interagem. A base do conceito é a interdependência, o sentimento de pertencimento a uma rede complexa, orgânica, sistêmica, onde tudo está interligado e não se basta isoladamente.

O diálogo, contudo, entre os sujeitos da sustentabilidade nem sempre é tranquilo. Nesta divisão grosso modo, superficial e até caricata dos que entendem sustentabilidade como meio ambiente e os que entendem sustentabilidade como direitos humanos, há visões de mundo, valores, prioridades e maneiras de agir sobre a realidade nem sempre coincidentes.

Há uma jornada de aprendizados e tentativas de superação dos reducionismos que estamos realizando para integrar visões, valores, prioridades, estratégias e maneiras de agir na realidade. As agendas dentro desta agenda maior do desenvolvimento sustentável ganham maior visibilidade e nos separam conforme a visão pende mais para um lado ou outro nesta visão grosseira que estou fazendo: meio ambiente e direitos humanos.

Enquanto a extinção do mico-leão-dourado é intolerável para a turma que dá mais atenção à questão ambiental, a turma dos direitos humanos é mais afetada pela denúncia de trabalho infantil na cadeia de negócios de uma empresa. A poluição de um rio fala diretamente ao coração do ambientalista tanto quanto a discriminação racial fala diretamente ao coração do defensor de direitos humanos.

Há profissionais da sustentabilidade para quem a agenda de meio ambiente se sobrepõe à agenda de direitos humanos e vice-versa, numa ineficiência que tornam lentos os avanços necessários para se compreender quais são os problemas e quais as soluções a serem produzidas.

Desta forma, pessoas mais ligadas à questão ambiental toleram a defesa que Marina Silva fez do deputado pastor Marco Feliciano, dizendo ser ele um equivocado e vítima de perseguição religiosa. Seus partidários mais raivosos chamam de intriga da oposição, de perseguição política a crítica à sua fala de que Marco Feliciano é um equivocado ao invés de reconhecê-lo como homofóbico e racista. Não diz nada ao coração de alguns defensores de Marina sua postura meramente religiosa e nada estadista em relação aos direitos LGBT. Para estes, mais importante é garantir que a natureza seja preservada e ela é tida como a encarnação do desenvolvimento sustentável, como se esta agenda tão rica coubesse numa pessoa ou num partido político.

Por meio das polêmicas em torno do pastor político e da política religiosa, candidata à Presidência da República, é possível perceber com clareza a divisão dentro da comunidade dos que se dizem trabalhar pelo desenvolvimento sustentável. Se há essa insensibilidade para um tema ou outro, a hierarquia infundada que sobrepõe uma causa à outra, não há compromisso com o desenvolvimento sustentável. Ele exige uma visão mais integrada e ambos os grupos perdem a razão quando toleram o intolerável, seja a destruição de uma floresta ou o assassinato de homossexuais incentivado também por discursos religiosos fundamentalistas.

Será que Marina irá nos dividir? Eu entendo que está nos dividindo, mas já estávamos divididos antes dela e agora estamos vivenciando um retrocesso neste processo difícil de reunir visões e soluções para os desafios do mundo atual. Dentro de uma empresa, no movimento de sustentabilidade e responsabilidade social empresarial, na produção teórica e nas salas de aula que tratam de desenvolvimento sustentável, esta divisão entre os que pesam mais aspectos ambientais do que humanos tende a se aprofundar. As paixões na defesa de Marina ou no ataque a ela levam junto muito do que construímos até aqui de uma agenda integrada e ampla para o século XXI.

Tarefa de todos, no meu entender, é aproveitar esse momento de conflito para explicitar suas posições e partir urgentemente para o diálogo. A questão transcende candidaturas à Presidência da República, mesmo passando por elas. O que não se pode tolerar é a “sustentabilidade meio-boca”, gente que tolera o intolerável, tem estratégias incompatíveis com os princípios de construção de um mundo sustentável e diz ser o que não é. Pode-se dizer tudo de quem tolera a destruição do meio ambiente, o racismo e a homofobia, menos que seja um profissional da sustentabilidade. Vamos aproveitar esse momento de explicitação do conflito para construir um novo patamar nesta jornada ou vamos sucumbir nesta vala moralista e de visão estreita que nos leva para o passado?