O Blog do Guilherme Bara está animado quanto à questão da diversidade. Mara Gabrilli e o próprio Guilherme estão nos oferecendo artigos que são gostosos de ler e que fazem pensar sobre a vida, sobretudo quando compartilham suas experiências e a condição de pessoa com deficiência. Ela é tetraplégica e ele é cego, duas características que os forçam a rejeitar o discurso fácil do “somos todos iguais” para fazer perceber que somos diferentes uns dos outros e, mais ainda, bem diferentes de um padrão dominante: homem, branco, loiro, sem deficiência, heterossexual, adulto, enfim, a cara do Homem Vitruviano ou do Brad Pitt.
A diversidade pode ser reduzida a essa conversa do “somos todos iguais” para sumir com nossas diferenças. Se estivermos falando da Declaração Universal dos Direitos Humanos como base ética para esta afirmação, cabe lembrar que ela existe exatamente para garantir a expressão de nossas características, de nossas singularidades, evitando que diferenças se transformem em motivo para a produção de desigualdades intoleráveis. Somos iguais na condição de membros da família humana, na condição de gente. Não é, contudo, afirmar que somos iguais como gente “apesar” ou “independente” de nossas características, mas considerando-as, respeitando e tendo essa diversidade como valor ou fonte de riqueza para a humanidade.
Porque implico tanto com o “somos todos iguais”? Não é pela afirmação em si, corretíssima, mas implico quando ela é utilizada para manter as coisas como estão e não como base ética que nos inspira a superar barreiras, a enfrentar preconceitos, a reparar o que foi produzido ao longo da história. Reparação é uma palavra que parece sumir imediatamente após a afirmação dos “somos todos iguais”, mas olhando em volta tudo sugere que precisamos de uma consciência crítica mais efetiva para transformar a afirmação da igualdade em patamar para o enfrentamento das desigualdades.
Sim, se somos todos iguais, como conviver com as disparidades entre homens e mulheres, brancos e negros, hetero e homossexuais, pessoas com e sem deficiência? A base para a realização de ações afirmativas ou de reparação está nesta maneira de considerar a igualdade. Mas, junto às medidas para reparar e promover efetiva igualdade entre os membros dessa grande e diversa família humana, está o desafio das relações de qualidade, da tolerância, do respeito, da construção de espaços onde nossa interação possa significar desenvolvimento de cada um e de todos. Se é importante afirmar nossas singularidades, também é importante não esquecer que o sentido maior disso é estarmos juntos, unidos, interagindo, se relacionando para enfrentarmos os desafios da vida e, no plano mais amplo, os desafios da sustentabilidade da vida no planeta.
Na igualdade dos discursos fáceis e falsos, a diferença desaparece e, ao desaparecer, não permite a interação, a convivência, a troca e o desenvolvimento das pessoas e das sociedades. É na convivência que nos expressamos e nos modificamos, que são gerados aprendizados essenciais para nossa transformação, invenção e reinvenção dos modos de ser e estar no mundo. Na convivência, tudo se transforma e nada fica como está. Cada encontro que realizamos com os outros, com suas características semelhantes e diversas das nossas, nos permite mudanças e ampliação de horizontes que na solidão não daríamos conta de realizar. A cada encontro, nesta interação complexa e dinâmica, deixamos de ser quem somos porque é o outro que me ajuda também a compreender quem sou e o que posso ser. Para o bem e para mal em termos do nosso desenvolvimento, podemos levar o outro dentro da gente a cada encontro que a vida oferece.
Sem reparação, sem que a gente construa espaços de convivência entre todos, como aqueles proporcionados, por exemplo, pela legislação de cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, não há encontro, não há aprendizado, só há discursos de que a igualdade é um dado e não um motivo para sairmos atrás de quem está faltando ou ficando do lado de fora.
Há quem critique as cotas porque elas ferem a igualdade, essa dos discursos fáceis e falsos. Há quem lamente precisarmos de cotas, mas que comemoram o que elas proporcionam: convivência na diversidade, a oportunidade de superar barreiras internas e externas. Com as práticas de reparação, quebra-se o circulo vicioso da exclusão e a convivência passa a dar o tom dos novos espaços existenciais que são criados. E o ser humano é bacana. Sempre aprende quando algo é significativo. A diversidade é significativa e muito mais rica e atraente que a monotonia dos discursos fáceis e falsos.
A diversidade é desafiadora, mas atraente, mesmo porque todo mundo experimenta “a dor e a delícia de ser o que é” nessas interações e não quer ver sua singularidade massacrada pela imposição de um padrão dominante que define que o normal é ter escadas onde poderia também haver rampas. Há quem diga que preconceito é uma dessas escadarias que a gente constrói na cabeça e que nos impede de interagir com outros, com a realidade, com as novidades e com a inovação.
Preconceito é conceito pré-concebido, um conhecimento sobre outros e situações que já temos antes mesmo de conhecer de verdade. E como fazemos para superar essa escadaria em nossa cabeça e incluir rampas, pontes que nos aproximem e não nos afastem uns dos outros? No meu livro “Diversos Somos Todos” eu pergunto se é preciso conhecer para amar ou amar para conhecer.
Acredito que podemos aprender a amar a vida, ter gosto pela diversidade, pela novidade, pelos outros que nem sequer imaginamos como são e do que gostam, o que fazem e o que propõem. Podemos desenvolver esse apreço antes de tudo, como postura de vida, para que cada encontro com os outros não seja apenas aquele momento formal de aprendizado que acontece numa sala de aula, mas num recreio divertido onde há o prazer do encontro, da convivência, de saber-se mais por se estar junto.
Artigo publicado originalmente no Blog do Guilherme Bara - http://www.blogdoguilhermebara.com.br/conhecer-para-amar-ou-amar-para-conhecer/