segunda-feira, 30 de abril de 2012

Mulheres e homens: tudo igual, tudo diferente

Mulheres e homens: tudo igual, tudo diferente
Reinaldo Bulgarelli, 30 de abril de 2012

O IBGE divulgou no dia 27 de abril mais um conjunto de dados sobre o Censo 2010. Boas notícias! “Escolaridade e rendimento aumentam e cai mortalidade infantil”, diz logo de cara a divulgação no site do IBGE.

Um dos dados chama minha atenção: diminuiu a diferença salarial entre homens e mulheres, o que também foi assunto do Bom Dia Brasil de hoje, dia 30 de abril.

Em 2000, as mulheres recebiam 67,7% do salário dos homens na mesma função. Não era em outra função, mas na mesma! Em 2010 esse percentual baixou para 73,8% do que ganhavam os homens.

É um dado para ser comemorado porque estamos melhorando e não piorando. Comemoremos a melhoria. O que é preocupante é o ritmo. Quanto tempo ainda vai levar para que mulheres e homens tenham rendimentos iguais para a mesma função? Podemos esperar o próximo Censo 2020 com otimismo, mas já teremos alcançado a igualdade em termos de rendimento? É algo tão básico e mesmo assim tema para alguém que, como eu, trabalha com valorização da diversidade nas empresas.

Para empregadores, a notícia deveria gerar, no mínimo, alguma inquietação. Já vi empresários, donos de empresas que, diante dos dados do IBGE, pediram ao RH para levantar se havia essa diferença em sua organização.

Alguns divulgam o dado alarmados ao descobrir que, mesmo sem uma política para isso, haviam diferenças entre os salários. Outros somem com o dado e escondem bem escondido, mesmo quando arregaçam as mangas para corrigir esta situação vergonhosa.

Já vi empresas em que ninguém se preocupa com o dado e nem mesmo tem a curiosidade de saber se ali há alguma disparidade entre homens e mulheres. Quando questionados, a preguiça já tem resposta pronta: aqui tratamos todos iguais e ponto. Já vi também empresas onde a diferença de salário é fruto de decisão e as ordens caminham escondidas por dentro das gavetas de gestores e técnicos coniventes. Bom sinal que tenham alguma vergonha e uma pena que somente depois de deixar a empresa é que comentam o fato.

Como a história desta diminuição entre os salários de homens e mulheres é realizada por gente que não se conforma à chamada realidade, vamos olhar o que acontece nas empresas sérias.

O problema são as médias, alegam alguns, e com certa razão. Quando se olha a empresa de perto, com lupa, os dados revelam algumas coisas:

Há lugares em que, mesmo sem uma ordem por escrito dos donos ou dirigentes, paga-se salário menor para as mulheres nas mesmas funções que os homens. Dá-se um jeito de pagar menos com base em funções iguais, mas com um conjunto de níveis, grades, enfim, mecanismos que deveriam estar a serviço do mérito e estão a serviço do machismo.

Quando a empresa se dá conta que o machismo está contaminando os processos, passam a rever as ferramentas utilizadas e a combater o machismo. Uma coisa tem que ser acompanhada da outra para dar resultado. Há gestores que justificam a preferência por homens nas avaliações porque eles são pais de família e porque as mulheres engravidam ou têm esse “defeito” de potencialmente virem a engravidar.

É preciso que alguém monitore os dados para identificar se há essa política machista produzindo desigualdade nas empresas. Se um gestor, ao final de um período, apresenta dados com prevalência de avaliações positivas para os homens, pode ser coincidência e pode não ser. Em geral, tudo é tratado como coincidência, um dos nomes do machismo.

Empresas que monitoram os dados, fazem recorte por gênero e pedem justificativas para os gestores sobre suas avaliações de desempenho, tendem a ter menor disparidade. Um gesto tão simples e que deveria ser tão corriqueiro no ambiente empresarial pode produzir resultados excelentes. Só de perguntar, mostrar que se está monitorando e fazendo recortes, inibe práticas machistas, faz pensar, demonstra na prática o que a empresa diz em textos bonitos sobre compromisso com ética, mérito etc.

Há empresas que vão além e percebem que há dois outros fatores prejudicando seu desempenho quanto à atração e desenvolvimento na carreira de talentos, como costumam dizer. Sim, não é apenas a mulher a prejudicada, mas toda a organização. Criar disparidade, injustiças, gera também um ambiente de pouca confiança, perda de bons profissionais, barreiras para o crescimento dos negócios, entre outros aspectos. E qual empresa pode se dar ao luxo de perder bons profissionais ou de nem sequer permitir que desenvolvam seu potencial?

Um dos fatores está relacionado à distribuição sexual do trabalho, com atividades tidas como masculinas e outras como femininas. O machismo, que habita todas as cabeças e não apenas a dos homens, faz com que diferenças culturais sejam assumidas como naturais. “É natural que homens exerçam atividades que exige força”, dizem alguns, alimentando a mesma lógica que defende que homens nasceram para mandar e mulheres para obedecer.

Há empresas que enfrentam essa realidade, não se conformam, discutindo a questão com a comunidade interna e externa, com as organizações de formação de profissionais, ocupando espaços na mídia da cidade ou trabalhando essas “verdades” na comunicação interna. Uma empresa pode fazer a diferença na comunidade quando realiza diálogos sobre questões de gênero e leva a pensar sobre o porquê de mulheres terem baixa presença em atividades ditas masculinas. Há empresas que incentivam cursos de engenharia para mulheres, cursos na área de tecnologia e até mesmo utilizam seu investimento social para trabalhar essas questões.

Outro fator está relacionado à distribuição sexual das atividades reprodutivas, estas que garantem a vida, seja pela capacidade de gerar filhos ou de cuidar da roupa, da alimentação, da casa, dos parentes, enfim, da rotina que faz parte da vida de todos. Segundo o IBGE, homens ainda dedicam pouquíssimo tempo para estas atividades, deixando as mulheres sobrecarregadas, até mesmo quando há uma empregada doméstica na casa. Cabe à mulher o gerenciamento de suas atividades, assim como cabe a ela cuidar dos parentes idosos, das crianças, leva-las ao médico, fazer a lista de compras da semana etc.

O que a empresa pode fazer? Não atrapalhar já é uma grande coisa! Há empresas que se conformam com essa realidade e pensam em benefícios adaptados à mulher sobrecarregada. Há empresas que distribuem benefícios pensando em educar os homens para que também assumam responsabilidades nas chamadas atividades reprodutivas. Como disse aqui em outro artigo, homens e mulheres como cuidadores e provedores, sem distinção, é sinal de que a sociedade caminha para a equidade.

Mas, e as diferenças “naturais” que existem entre homens e mulheres? O machismo e suas práticas de discriminação ainda fazem tanto barulho que não deixam o discurso dos benefícios da diversidade de gênero ser ouvido. Um dia chegaremos lá também.