sexta-feira, 18 de maio de 2012

Mulheres e empresas


Mulheres e empresas: quanto mais próximo da vida, mais sustentável
Reinaldo Bulgarelli, 18 de maio de 2012

Investir na promoção da equidade de gênero dá lucro?

Há clientes que me pedem relatórios sobre a situação atual da mulher na sociedade brasileira. São vários e adoro fazer estes estudos. Às vezes me contratam para fazer pesquisas ou levantamento junto a outras empresas para saber o que fazem e como fazem para ter mais mulheres na base ou no topo das empresas, nos chamados cargos de liderança.

Difícil e incômodo mesmo é quando me pedem para mostrar pesquisas que provem que investir em mulher dá lucro. Querem dados que demonstrem o quanto as empresas ganharam ao investir nelas. Bom, até temos dados, mas a pergunta revela um ou vários equívocos. Se é preciso mostrar que fazer a coisa certa – não discriminar 51% da população do país – dá lucro, tem algo de errado na pergunta ou em quem perguntou.

Eu desconfio que nossos executivos não são assim tão mesquinhos e medíocres. Podem ser ignorantes, no sentido de não saber o que e como fazer para promover equidade de gênero. Desconfio é que as equipes técnicas, pressionadas pelo ambiente onde tudo deve se transformar em lucro com redução de despesas, inserem todos os temas nesta perspectiva.

Minha experiência com os presidentes ou altos executivos das empresas é de conversas de alto nível e com o tema da diversidade sendo discutido a partir da identidade da organização, ou seja, seus valores, missão e visão, estratégias atuais e futuras. Não deixam evidente para todos os seus funcionários o que pensam sobre suas próprias empresas? Pode ser ou é válida também a máxima de que alguns funcionários querem ser "mais católicos que o Papa". Na impossibilidade de saberem transformar identidade da organização em práticas que efetivamente adicionem valor, buscam respostas mágicas na lógica cartesiana que a tudo faz caber nas planilhas de Excel.

Mas, como o mundo é grande e há de tudo dentro dele, fico imaginando que haja também executivos que mandam o técnico de volta para seu devido lugar se não provarem que investir em mulheres ou na equidade de gênero ou na valorização da diversidade de gênero, como queiram, confere lucros para as empresas. Sim, há como provar isso e esses executivos deveriam ler, por exemplo, o que os donos de suas empresas estão discutindo em Davos, no Fórum Econômico Mundial. Só pra citar um dos exemplos, esse fórum de líderes mundiais tem produzido um relatório que trata exatamente do tema e seus impactos econômicos.[i]

O Banco Mundial, para permanecer no campo dos grandes fóruns ou organizações internacionais, também produz documentos, estudos e pesquisas neste sentido.[ii] Há livros que tratam do assunto e esmiúçam diferentes aspectos: as mulheres consumidoras, a decisão de compra, a influência delas nos produtos para homens e por aí vai. Nem estou entrando na discussão sobre consumo consciente porque acho covardia definir a mulher como salvadora do planeta.

Elas são fonte de esperanças por vários motivos e devem ser tão responsabilizadas quanto os homens na busca de soluções sustentáveis para todos, mas delegar somente a elas essa tarefa não parece justo e nem producente. Isto é assunto para outro artigo e vamos ficar agora nesta questão da sustentabilidade no que diz respeito ao papel das empresas.

Quanto mais próxima da vida, mais sustentável é a empresa

Defendo a ideia de que quanto mais uma empresa se aproxima da realidade, da vida como ela é, enfrentando barreiras e erradicando práticas de discriminação, mais próxima estará do lucro e não será um lucro qualquer.

Empresas que gastam muita energia para afastar as mulheres de seus quadros de colaboradores, criando artifícios de toda ordem, afastam as mulheres também de seus “quadros” de clientes, de consumidores, bem como do planejamento de seus produtos e serviços, de seu planejamento estratégico, de sua comunicação ou marketing. Estão, evidentemente, gastando dinheiro, deixando de ganhar dinheiro e provocando estragos financeiros, sociais e culturais enormes na sociedade.

Empresas que se aproximam da realidade estão fazendo a coisa certa. É saudável, do ponto de vista da saúde mental, lidar com a realidade, planejar com base nela, considerar a realidade nas leituras de cenário atual e futuro. Empresas deveriam viver da realidade. É nela que operam suas atividades e que expressam sua missão, seu propósito, sua maneira de ser e de se fortalecer como organização. Quanto mais distantes da realidade, menos chances uma empresa tem de se desenvolver e até mesmo de sobreviver.

O que faz com que uma empresa não lide bem com 51% da população do país? As ideologias, claro, e, no caso, estamos falando do machismo. Empresas desatentas ao fato de que há machismo no mundo podem se deixar contaminar pelas suas armadilhas em seus processos, sistemas, estruturas, enfim, em tudo. As desatentas podem até mesmo buscar maior participação das mulheres, mas sem discutir e enfrentar o machismo, parecem patinar na mesmice e até fortalecem as estruturas que geram exclusão.

As empresas MMM gastam muita energia, tempo e dinheiro para afastar as mulheres

É o que produz as organizações que chamo de MMM – masculinas, masculinizadas e masculinizantes. Do recrutamento ao desligamento, o ciclo de vida das mulheres na organização MMM é caracterizado pelo imenso gasto de energia para fazer com que elas sejam menos, possam menos, digam menos, saibam menos sobre tudo que é importante e possam significar algum tipo de poder. Querem que elas se dediquem apenas a servir, cuidar, manter, ou seja, tudo que é papel da mulher no mundo, dentro desta visão machista.

Interessante colocar as coisas desta forma. Eu mesmo investia muito em convencer as empresas sobre a importância de investir em processos inclusivos que promovessem equidade de gênero e bons resultados para todos. Eu pedia para criarem essa energia para fazer avançar os processos de promoção da equidade de gênero.

Logo percebi que não se tratava apenas disso. Identifiquei que há barreiras colocadas em toda a trajetória das mulheres para impedir que elas sejam bem-sucedidas na tarefa humana de desenvolver plenamente seu potencial. Além de investir na inclusão, as empresas devem parar de investir na exclusão, gastando energia, tempo e dinheiro com isso, recursos que preciosos para o sucesso dos negócios. Trata-se, portanto, de parar de usar tanta energia para se auto boicotar, além de boicotar a mulher, para usar essa energia a favor da mulher e da organização.

Imagine quanto custa ficar inventando atributos que desqualificam as mulheres – todas elas – para justificar sua ausência e para mantê-las longe dos espaços mais qualificados na sociedade e das instâncias de poder? Imagine quanto custa criar barreiras nos processos de seleção para que passem apenas os homens e para que se prove depois que a demografia interna masculina é pura coincidência? Imagine quanto custa ficar matutando estratégias para desqualificar tudo que é feminino e para construir análises de desempenho que reconheçam mérito apenas no que é do mundo masculino? Não é ironia. Basta ver o quanto de energia é dispendida para criar problemas com a gravidez. Isto sim traz prejuízos e não o curto período que a mulher tem de licença para cuidar dos filhos.

É um mito, como mostra um levantamento realizado pela OIT, atribuir tantos prejuízos à mulher. .[iii][i] Além disso, há levantamentos que mostram que são os homens que passam mais tempo de licença em função de um estilo de vida relacionado ao machismo que os coloca em situações de risco – esportes violentos, direção perigosa de veículos e falta de cuidado com a própria saúde, para citar alguns exemplos que geram afastamentos dos homens. Empresas que criam caso com a gravidez e o tempo de licença deveriam fazer esse levantamento para saber, considerando a proporcionalidade, quantos dias por ano cada um passa de licença. Caso sua empresa descubra que os homens sejam os mais ausentes do trabalho, nem por isso vamos defender que sejam preteridos nos processos de seleção, como fazem como as mulheres. Não é correto.

Que modelo de gestão é esse que não tem competência para lidar com a vida?

Há um investimento imenso para contrariar o que a vida está dizendo: as mulheres engravidam, a gravidez é uma das possibilidades da vida de uma mulher, assim como faz parte da vida de homens e mulheres passar por momentos nos quais possam pesar mais os aspectos pessoais do que os profissionais, sem que isso signifique o fim do mundo ou a falência das empresas. Que tipo de gestão é esse que não tem competência para lidar com a vida?

Imagine também, de maneira complementar, quanto de recurso é gasto para afastar os homens da vida como ela é, do cuidado de casa, dos filhos, dos parentes, das atividades relacionadas a uma existência mais saudável e equilibrada em termos de dedicação aos vários aspectos que a compõem? A vida convida para que todos, homens e mulheres, cuidem das atividades produtivas e reprodutivas, para usar o jargão que trata da inserção no mundo do trabalho, o produtivo, e da inserção no mundo da casa, aquele lugar onde você cuida de si mesmo, prepara seu alimento, lava sua roupa, cuida da limpeza, enfim, coisas deste tipo que mantêm e reproduzem a vida.

Quanto custa ficar inventando atributos para descrever um homem tão idealizado que nenhum mortal do mundo masculino consegue atingi-lo? O machismo é opressor também para os homens e não me esconjurem por dizer isso, por favor. O machismo torna realidade o que não é real. Ninguém vive apenas para o trabalho e a carreira, não é natural ou genético que eles nasceram para mandar e elas para obedecer, mas uma invenção que evidentemente atrapalha a todos. É o machismo introjetado por homens e mulheres produzindo desqualificação de tudo que é feminino, delegado ou atribuído às mulheres e fazendo com que os próprios homens acreditem que o bom é o trabalho, o papel de provedor, que o péssimo é cuidar da casa, dos filhos, da limpeza, da vida como ela é.

Homens e seus privilégios insustentáveis

Dirão alguns que os homens adoram tudo isso e que são eles que mantêm esse sistema que transforma diferenças em motivo para desigualdades, com suas sequelas para a vida em sociedade. Acredito que nos acomodamos e adoramos ter tantos privilégios, a ponto de resistir bravamente contra os avanços das mulheres em áreas que reservamos para nós ao longo da história. Vejo essa resistência nos workshops que realizo nas empresas e percebo que os homens estão sim cada vez mais raivosos e ardilosos para fazer a desqualificação da mulher, justificar sua ausência e a presença deles nos melhores lugares. Os argumentos, quanto mais raivosos e prontos, menos consistentes estão e, portanto, menos eficazes também.

Mas, os estragos são grandes e apenas se explicam pela ideologia machista caminhando pelas cabeças de homens e mulheres para produzir essas desigualdades que, no fundo, não interessam a ninguém. É privilégio ter poder à custa do afastamento forçado das mulheres desses espaços de decisão e é privilégio conseguir se beneficiar de tudo que o poder traz consigo à custa de uma opressão de gênero perversa.

Contudo, é privilégio conquistado também à custa de mesquinhez, de mentira e com efeitos colaterais destrutivos. É privilégio à custa de uma idealização do que é ser homem, mas que a vida real não demonstra existir ou ser possível. É privilégio que paga um preço alto ao gastar tantos recursos preciosos para afastar os homens do que eles também gostariam de ser e fazer, mas devem acreditar que são e fazem outras coisas, que nasceram para isso e que a genética os fez executivos.

Tudo que afasta uma empresa da vida a torna menos eficiente

Enfim, empresas que se organizam em torno do machismo e não da vida, tendem a ter problemas porque a vida flui para outras direções. Tudo que afasta uma organização da vida a torna mesmo eficiente e compromete seus resultados. Causa distrações fatais, prejudica a qualidade do planejamento estratégico que deve aproximá-la da realidade para construir soluções interessantes e oferece-las para todos que possam devolver para a empresa em forma de lucro ou fortalecimento organizacional.

Empresas que flutuam fora de seu tempo e lugar, passeando nas asas de uma cultura voltada para a morte, imaginam que podem explorar o planeta indefinidamente, que não há limites para o crescimento. Perto da realização da Rio+20, a revista Exame estampa matéria em seu site dizendo que em 2050 a humanidade irá precisar de três planetas para se manter ou manter seu padrão de consumo, atrelado a um padrão de felicidade que precisa ser revisto urgentemente[iv][ii]. É uma das faces deste tipo de organização empresarial que também planeja sua atividade desprezando 51% da população.

Felizmente há movimentos empresariais contrários a esta mentalidade e que busca encontrar soluções concretas para nosso tempo e lugar, para a realidade, para a vida como ela é. Vale a pena, neste sentido, conhecer o movimento Mulher 360º, uma tentativa de olhar os direitos humanos das mulheres pelo prisma do desenvolvimento econômico[v][iii].

É algo bem distante da mesquinhez de lucro imediato que se possa obter, por exemplo, com o respeito às pessoas e outros valores que já deveriam estar na constituição ou motivo de existência de qualquer organização.

“Quanto eu vou ganhar se deixar de discriminar a mulher, se retirar as barreiras do caminho delas e corrigir a situação?”, é pergunta que nasce torta, portanto, a resposta nunca irá agradar a quem perguntou, ainda mais se falar da vida como ela é e das coisas que nem deveria estar em discussão. A gestão deve dar conta da vida ou a empresa se torna insustentável. Alguém ainda tem dúvidas?



[iii][i]Estudo da OIT (Custos do Trabalho de Homens e Mulheres na América Latina: Mitos e Realidade, de Laís Abramo, atual diretora do escritório da OIT no Brasil), concluiu pela necessidade de promover maior equilíbrio entre trabalhadores de ambos os sexos. Diz dra. Laís, em entrevista à Revista BOVESPA: “De fato, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho com força cada vez maior. Mas o grande problema é que ainda são vistas como as principais responsáveis pelos cuidados com a casa e os filhos. Ainda não aconteceu uma divisão mais equilibrada de responsabilidades familiares entre homens e mulheres. Apesar de ingressar no mercado de trabalho, a mulher continua sendo responsável pela administração da casa, dos afetos, dos cuidados domésticos. Os homens ainda não assumiram seu papel nesta esfera. É importante que isso seja repactuado, que a empresa seja um ambiente mais favorável para esta articulação entre o trabalho e as outras dimensões da vida e haja políticas de reconciliação entre o trabalho e a vida familiar que permitam tanto ao homem quanto à mulher uma vida mais equilibrada. Existe uma visão de que o custo de contratação das mulheres seria mais elevado, o que justificaria o fato de seus salários serem mais baixos. Na verdade, isto é um mito: quem paga as despesas com licença-maternidade, e a maioria dos outros custos ligados à reprodução não é a empresa, mas a Previdência. Pesquisa feita em cinco países da América Latina constatou que o custo adicional da contratação das mulheres é irrelevante e não pode justificar os salários menores.”
[iv][ii]EXAME - Ambiente | 16/05/2012 – “Humanidade precisará de ‘três planetas’ em 2050 - http://exame.abril.com.br/economia/meio-ambiente-e-energia/sustentabilidade/noticias/humanidade-precisara-de-tres-planetas-em-2050
[v][iii]Mulher 360 – Movimento Empresarial pelo Desenvolvimento Econômico da Mulher - http://movimentomulher360.com.br/