terça-feira, 23 de junho de 2015

Bilhetinho às crianças e adolescentes, filhos de nazistas, sobre gênero e diversidade na educação

Bilhetinho às crianças e adolescentes, filhos de nazistas, sobre gênero e diversidade na educação

Reinaldo Bulgarelli
23 de junho de 2015

Se você é de uma família criacionista, por exemplo, encontrará na escola a versão científica desta história. Estamos falando da escola pública e não uma escola confessional, mas isso vale para todas.
Cabe à sua família dizer no que crê e à escola dizer o que sabemos, nós humanos, sobre nós mesmos. E tudo com base na ciência. Não deveria haver conflito, apenas o direito ao acesso à informação, sobretudo à informação com base na ciência, sobretudo na escola pública, mas isso vale para todas. Conhecer é (ou deveria ser) algo muito prazeroso.
O país tem uma Constituição (conheça, vale a pena!), e tem uma LDB e um PNE. Tem, ou deveria ter, gente séria cuidando para que a escola fosse um lugar que cuidasse da sua formação e não um lugar de pregação nazista (com o dinheiro público!). As alianças políticas às vezes descambam para lugares horríveis e esquecem até de cuidar da escola, da educação e agem como se pudessem lotear também o futuro que nem terão (a vida é curta!).
O mesmo vale para o conhecimento sobre questões de gênero, diversidade humana e outros temas que você precisa conhecer, até para poder tomar suas decisões, realizar suas escolhas, produzir algo sobre tudo isso, quem sabe? O que não está no campo das escolhas, ou não deveria estar, é o respeito às pessoas.
Você deverá saber que amar as pessoas está no campo das escolhas, mas respeitar não está. Se a religião dos seus pais diz para amar todas as pessoas, muito bem, mas na sociedade o texto que rege nossas vidas é escrito por gente e ele nos diz para respeitar todas as pessoas.
Tem um texto muito legal que você precisa conhecer (e que seus pais odeiam). Ele diz que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Não é um texto sagrado, mas elaborado por gente, sim, gente como eu e você, para enfrentar gente como seus pais que querem aniquilar os que são diferentes deles.
Sua família, minha criança e meu jovem, pode estar tirando de você o acesso a uma informação que vai lhe fazer falta na vida. Pior, está impondo a você uma formação nazista na qual o desrespeito e a violência contra "os pecadores", “os diferentes deles”, os "destruidores da pátria e da família”, são uma exigência para você ser reconhecido como "uma pessoa de bem". Lá no céu da sua religião, você vai ter que prestar contas do amor, mas aqui você deve (ou deveria) prestar contas do respeito.
Presta atenção: a vida não é assim como querem seus pais nazistas e, se for, será uma vida muito pobre, cheia de sangue nas mãos, o que não é uma coisa boa para ninguém, inclusive para você. Não acredita? É porque seus pais não deixam você conhecer a história, ver o mundo para além da ideologia deles, das mentiras que inventam em nome da sua “boa formação moral”.
Esse nazismo com cara de religião (cada hora o nazismo tem uma cara, mas é tudo a mesma coisa) é vergonhoso e será cada vez mais poderoso quanto menos você aprender na escola, sobretudo na pública, mas não apenas.
Meu conselho é que você diga aos adultos que cuidam de você e que deveriam te ajudar a estar no mundo e com o mundo, que você tem direito a saber o que diz a ciência, tanto quanto eles têm direito a te dizer o que diz a religião deles.
O que eles não têm direito é de fazer pregação nazista na escola, muito menos na escola pública, mas não apenas.
Quem cuida (ou deveria cuidar) de manter e fortalecer o estado democrático de direito, há de se manifestar sobre as práticas nazistas de seus pais e desfazer o que estão fazendo no espaço público, mas não apenas. (Se fazem isso na vida pública, imagine o que não fazem na privada?!)
Uma escola não fica vazia apenas quando faltam alunos, mas quando lhe retiram o motivo para a qual foi criada.