Inclusão da criança com deficiência:
a mediocridade reina?
Reinaldo Bulgarelli, 05 de janeiro de 2013Quadro com frase de Osho: "A vida começa onde termina o medo." |
Percebi que uma rede de blogs que tratam dos direitos da pessoa
com deficiência se articulou rapidamente para comentar mais um daqueles artigos
horríveis da Lya Luft. O artigo está na Veja do final de 2012. Eu não costumo ler estes artigos e “mudo de canal” para não dar ibope a quem
não diz coisa com coisa. Se pelo menos buscasse argumentos, informações, mas os
artigos dela apenas destilam veneno contra tudo que não seja o pequeno mundinho
“classe média”, como ela mesma diz ser.
O intuito aqui não é comentar o triste parágrafo, por
exemplo, onde a Lya diz o seguinte: "Segundo, precisamos, sim, rever em
toda parte nossos conceitos, leis e preconceitos quanto a doenças mentais. O politicamente
correto agora é a inclusão geral, significando também que crianças com
deficiência devem ser forçadas (na minha opinião) a frequentar escolas dos
ditos 'normais' (também não gosto da palavra), muitas vezes não só perturbando
a turma, mas afligindo a criança, que tem de se adaptar e agir para além de
seus limites — dentro dos quais poderia se sentir bem, confortável,
feliz."
Credo! É confusão demais para alguém que vive chamando os
brasileiros de medíocres (“a mediocridade reina, assustadora, implacável e
persistente”, em 26 de setembro de 2012, entre outros tantos “artigos”). Mediocridade
é querer escrever sobre algo que não conhece, usar sua projeção de maneira
irresponsável para destilar seus conceitos medievais como se a caretice
nacional nascesse do seu próprio umbigo. Não, dona Lya não vai estragar nosso
dia e muito menos os caminhos que escolhemos trilhar. Seus textos medíocres
ofendem, ferem a dignidade das pessoas, deixam rastros de ódio e não propõem nada,
a não ser que se mantenham as coisas como estavam em mil novecentos e
antigamente.
Acho melhor comentar o fato de que a inclusão da criança com
deficiência na escola vai seguindo firme e forte. Converso com educadores e
dirigentes de escolas públicas e privadas nos seus diferentes estágios de
aplicação prática da ideia de inclusão e vejo que as coisas mudaram rapidamente
nos últimos anos.
O que era apenas um conceito, hoje pode ser constatado em
qualquer escola do bairro de qualquer canto do país. Não, ainda não chegamos lá
e muitas coisas precisam melhorar, mas já temos muita coisa para mostrar,
muitas histórias para contar e muitos resultados para avaliar.
Com esses educadores que estão trabalhando a inclusão,
aprendi que eles superaram algumas posturas e práticas, como as ideias
paralisantes, desqualificantes e desmobilizantes (perdoem os neologismos para
garantir a rima!):
1. Ideias
paralisantes - Elas negam direitos e usam discursos aparentemente críticos
para manter as coisas como estão, bem longe das mudanças. Dizem o seguinte: “Enquanto
toda a educação brasileira não melhorar, não há porque se falar em educação para
a criança com deficiência”. E a criança, todas elas, não têm direito à
educação? Tem que esperar tudo melhorar? Quem vai dar o sinal pra avisar que
tudo melhorou? Tem cabimento?! Esse tipo de argumento não é o suprassumo do desprezo
pelo ser humano? Você ficaria do lado de fora aguardando que alguém, um dia,
melhore a escola, segundo os padrões de algum elitista de plantão, para você
pisar no tapete vermelho? E enquanto isso, o que faremos?2. Ideias desqualificantes – Elas acabam com os professores, as escolas e o país e dizem o seguinte: “Os professores são uns coitados, ganham mal, não sabem nem educar uma criança sem deficiência nas péssimas escolas que há neste país pobre e medíocre. A escola brasileira é muito ruim e esses professores desqualificados mal dão conta de suas tarefas básicas.” Os professores ganham mal, a escola brasileira não é a melhor do mundo, longe disso, mas essa moda de desqualificação está mesmo a serviço de quem? Não é o suprassumo do elitismo ficar desqualificando os pobres e quem trabalha com eles? A desqualificação tem ajudado em alguma coisa? Como alguém pode se sentir estimulado se falsos amigos defendem os professores dizendo que são coitadinhos, despreparados e incompetentes? É uma crítica que não quer ver melhoras, mas quer manter o mundinho no século passado.
3. Ideias desmobilizantes – Elas não gostam de participação e não acreditam que os sujeitos da educação poderão se envolver na busca de soluções. Dizem que são todos desqualificados: o povo e seus educadores. Portanto, como irão participar da solução? Apenas os sabidos da pátria, esse povo que nem se informa direito e já sai escrevendo artigos em revistas de grande circulação, é que poderão encontrar soluções interessantes. A vida é melhor do que suas ideias e toda escola que se dispôs a ser inclusiva está enfrentando desafios, evidentemente, mas está também encontrando soluções, construindo uma nova história da educação no país.
Na prática, no concreto, no dia a dia da vida como ela é, as
escolas inclusivas entenderam que não estão fazendo mais do que a obrigação,
que estão corrigindo uma injustiça gerada no passado e isso não vai ser fácil,
mas tem que ser possível. E na coragem dos que não querem dormir no século
passado, estão aprendendo a incluir na própria prática da inclusão, além de
muito estudo, dedicação, busca por apoios dos mais variados. A inclusão é um
processo, um movimento, uma busca movida a ideais muito melhores do que aqueles
que movem o elitismo pátrio e nada patriótico.
O que mais escuto daqueles que avançaram para fase do fazer
e não mais da conversa fiada é que a educação inclusiva melhora a escola toda,
aprimora métodos, gera novas visões e práticas. Esses educadores confirmam o
que disse o documento da UNESCO sobre educação inclusiva – “DECLARAÇÃO DE
SALAMANCA SOBRE PRINCÍPIOS, POLÍTICA E PRÁTICAS NA ÁREA DAS NECESSIDADES
EDUCATIVAS ESPECIAIS, 1994”.
Se você tem um filho ou filha com deficiência, não se assuste e muito menos se acovarde diante dessa rabugice de uma pessoa da idade média, elitista e preconceituosa. Participe ativamente do movimento por educação inclusiva e coloque todo seu conhecimento sobre seu filho e sua realidade a serviço da escola.
Se você tem um filho ou filha com deficiência, não se assuste e muito menos se acovarde diante dessa rabugice de uma pessoa da idade média, elitista e preconceituosa. Participe ativamente do movimento por educação inclusiva e coloque todo seu conhecimento sobre seu filho e sua realidade a serviço da escola.
Não espere um mundo pronto, o mundo das coisas óbvias (é um
direito e pronto!) porque estamos em fase de construção. Nesta fase, é preciso
firmeza de princípios, mas é preciso também postura educativa, construtiva, parcerias
para encorajar e não para congelar as mudanças.
Postura parceira, que cobra, que se indigna e tem as mais
altas expectativas, caminha junto e quer soluções, não apenas constatar que o
mundo é cruel para com a criança com deficiência. E não se esqueça de envolver
sua criança. Ela também pode e deve participar desta construção. A tutela mais
atrapalha e reforça falas de ódio à diversidade do que ajuda neste momento que
estamos vivendo.
Se sua escola jamais pensou no assunto da inclusão de
crianças e adolescentes com deficiência, tome coragem, assuma sua responsabilidade
e atenda a uma demanda legítima da sociedade internacional, não apenas a
brasileira. E pensar sobre isso pode passar pelas fases acima e que precisam
ser superadas: a fase das ideias paralisantes (nada pode ser feito enquanto
tudo não estiver perfeito), desqualificantes (não sabemos nada, não estamos
preparados, as crianças não estão preparadas, o mundo é despreparado e horrível)
e desmobilizantes (não vou pedir ajuda, não vou ouvir ninguém, não acredito que
professores, alunos e seus pais possam contribuir de alguma forma).
Ouça, dialogue, converse sobre o assunto com outros
educadores, conheça as experiências boas e ruins de outras escolas, disponha-se
a mudar e a acreditar que é possível, além de ser um dever. Supere-se, vá além
de seus limites porque quem está numa escola já faz isso cotidianamente e
encontra nos desafios as condições para o desenvolvimento de todos.
Comece 2013 com algo novo para contar em 2014, até um dia em
que as Lyas Lufts da vida serão lidas como se leem hoje os discursos dos
nazistas, dos que defendem a eugenia, dos escravocratas, dos ditadores, dos elitistas
e daqueles que só conhecem o ódio contra as diferenças. Vamos corar de vergonha
pelos humanos que um dia fomos ao deixarmos crianças com deficiência do lado de
fora da escola regular.
A história será outra e você ajudou a construir um novo
momento, difícil, talvez, mas possível, desejável e muito melhor para todos.
Não vá atrás dessa gente que odeia por odiar porque o ódio, como dizem os
sábios, jamais construiu nada de bom. Tenha a coragem de viver!
1. O artigo da Lya Luft está reproduzido e comentado no site Lagarta Vira Pupa:
Tenha estômago porque nem comentei um décimo das atrocidades ali apresentadas: http://lagartavirapupa.com.br/blog/tag/texto-lya-luft-veja-inclusao/