Dia 23 de setembro vou realizar uma apresentação na Secretaria Municipal do Trabalho de São Paulo. Vejam abaixo o texto que preparei para o evento e servirá de base para a minha contribuição.
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho / São Paulo
“I Seminário de Diversidade e Deficiência no Mundo do Trabalho”
23 de Setembro de 2010
Auditório da unidade Luz do Centro de Apoio ao Trabalho
Painel: “Igualdade de Oportunidades x Igualdade de Condições”
Aprendizados com quem cumpriu a Lei de Cotas para inclusão de pessoas com deficiência
Reinaldo Bulgarelli
Sou sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação, uma empresa de consultoria que atua na área de sustentabilidade e responsabilidade social. Um dos temas trabalhados nesta agenda é o da valorização da diversidade, parte da essência de um mundo mais sustentável.
Trabalho, em geral, com grandes empresas no desenho e acompanhamento de programas de valorização da diversidade. Dentro desse tema está a questão da pessoa com deficiência e todos os conceitos nela inseridos: inclusão, acessibilidade e desenho universal, para citar apenas os três mais evidentes e de grande contribuição para o mundo empresarial e seus negócios.
Com base na minha experiência de 32 anos com direitos humanos e desenvolvimento, atuando com responsabilidade social empresarial desde 1995, quero compartilhar aqui alguns aprendizados que estou tendo com aquelas empresas que cumpriram a legislação de cotas para inclusão de pessoas com deficiência. Vou me basear, sobretudo, no HSBC e na DuPont. Também vou me dirigir às empresas, sobretudo a elas, porque entendo, com os dados que temos do Ministério do Trabalho, que as empresas precisam de esperança e de boas referências para melhorar seu desempenho com algo tão básico: cumprir a lei.
Para essa contribuição, coloco em forma de tópicos o que consigo sintetizar neste espaço de tempo.
Primeiramente, algumas ideias sobre inclusão.
1. Inclusão é uma palavra cara para a comunidade de pessoas com deficiência. É cara e deveria ser apreciada por todos porque ninguém quer ficar do lado de fora da festa da vida. Para a comunidade de pessoas com deficiência, essa palavra mágica traduz a concretização do desejo de viver num mundo que considere a diversidade humana. Inclusão significa participação em lugares onde não se considerava sua existência, sua importância, sua contribuição e seu direito de estar ali. Inclusão é um movimento de mão dupla. Eu trabalho para que as empresas sintam falta de quem não está ali e tenham a inclusão, com tudo que ela significa, como uma forma de reparar o que não está correto e de encontrar com quem está faltando para tornar a organização melhor, mais eficiente e com melhores resultados – para todas as pessoas, a empresa, a sociedade e o planeta.
2. Pessoas com deficiência e solidários não aceitaram a diferença como um destino de subdesenvolvimento ou subcidadania. Não aceitaram que a diferença fosse transformada em motivo para desigualdades, com desvantagens concretas e simbólicas atrapalhando o caminho. Não se conformaram com o lugar que lhes foi imposto. A palavra de ordem que simboliza tudo isso é inclusão.
3. Quem é incluído jamais será o mesmo porque a interação na diversidade transforma as pessoas. Quem inclui também se transforma porque a interação na diversidade faz repensar estruturas, processos, sistemas de gestão, posturas individuais e coletivas, atitudes que geraram exclusão e que podem se reverter em posturas inclusivas. É inclusão de gente, de ideias, de perspectivas, de propostas, de maneiras de ver a vida e de lidar com ela. Inclusão é palavra cara para uma sociedade democrática.
Sobre o cumprimento da legislação de cotas, entendo que nenhuma empresa o faz do nada. A mágica não existe sem esforço. Com certeza, quem cumpre a legislação saiu do lugar comum. A anatomia do sucesso, no meu entender, envolve muitos elementos:
• Uma identidade organizacional com princípios inclusivos, democráticos, abertos à inovação. Identidade é constituída pela missão, visão, valores, que inspiram, por sua vez, as políticas, códigos de conduta e a estratégia da empresa.
• Uma postura empresarial de respeito à legislação e uma postura ética compartilhada pelos profissionais que trabalham no cumprimento da missão organizacional.
• Uma equipe de RH disposta a se reinventar no fazer cotidiano dos princípios e práticas de gestão de pessoas, com processos que passam a considerar a diversidade humana.
• Um time de profissionais corajosos capazes de atuar em rede, liderar o processo por meio da mobilização de todos aqueles que precisam e podem fazer a diferença na ponta.
• Um conjunto de gestores que, entre o medo e a coragem, optou pela inovação, pela abertura ao novo com centralidade nas pessoas como fonte de aprendizado e de sucesso.
• Um conjunto de funcionários sem deficiência que se tornam colegas de trabalho e parceiros no desafio da inclusão e suas exigências, com toda a disposição para rever conceitos, aprender, acreditar no outro, fazer juntos, colaborar e encontrar novas formas de alcançar bons resultados para todos.
• Uma habilidade para fazer parcerias e alianças com quem pode contribuir para a obtenção de bons resultados porque conhecem o tema, têm disposição de servir e fazer juntos.
• Uma disposição para investir recursos financeiros, entre outros, no lugar certo, da forma correta e com propósitos alinhados com a identidade da organização, suas estratégias e desafios.
• Uma capacidade de atrair bons profissionais com deficiência, corajosos e dispostos a iniciar a jornada de transformação da própria vida e da vida organizacional, investindo também na valorização da diversidade, dispostos a ensinar e a aprender, a conviver, interagir, assumir riscos, enfrentar desafios, compartilhar aprendizados.
• Um apreço pelo respeito que faz toda a diferença para todos. Onde há respeito, há diversidade e vice-versa. Ambientes que não valorizam o respeito não atraem e muito menos mantém bons profissionais, geram sofrimentos e são evidentemente ineficientes.
• Uma aversão a “ideias paralisantes” do tipo “enquanto o mundo não for perfeito, de nada vale incluir pessoas com deficiência”.
• Uma visão de que a pessoa com deficiência que estão sendo incluída pela legislação de cotas é também um cliente, base do mercado interno do país, algo que tem feito e sempre fará toda a diferença para o índice de desenvolvimento, ampliação do PIB, dos indicadores sociais, culturais, ambientais e políticos.
• O entendimento de que o elitismo é uma praga que afeta o desempenho das empresas. Este gosto por grifes, por aparência, por uma visão mesquinha e equivocada do que seja bom, bonito, bacana, leva empresas para lugares cada vez mais distantes dos seus clientes e, portanto, do sucesso.
• O entendimento de que é preciso trabalhar com três dimensões que se complementam na formação do circulo vicioso da exclusão e que podem, portanto, se reverter no circulo virtuoso da inclusão: nossa sociedade, nossa consciência e nossos processos de gestão.
o Quem vê problemas apenas na sociedade, vai investir apenas na capacitação de pessoas com deficiência, enfrentando os problemas do acesso ao direito à educação que essa população possui. Investir em educação é essencial, valioso, mas não pode ser a única coisa a ser feita ou a desculpa utilizada para justificar os números tímidos que ainda apresentamos. A defasagem no número de anos de estudo entre pessoas com e sem deficiência não justificam os números que temos hoje: 288 mil pessoas contratadas, 0,70% do total de trabalhadores formais do país.
o Quem tem autocrítica e é sério nesta tarefa, sabe que há também problemas com a nossa consciência pouco inclusiva e investe também fortemente na ampliação dessa consciência. De nada adianta formar tão bem tantas pessoas com deficiência se elas continuam enfrentando barreiras imensas na atitude pouco inclusiva de equipes e gestores. Empresas que se acham perfeitas colocam toda responsabilidade pela exclusão nas pessoas com deficiência e a educação vira uma forma de excluir duas vezes. Empresas sérias reconhecem que também precisam ser capacitadas para serem mais eficientes no cumprimento de sua missão. Elas aprendem a reconhecer qualidade nas diferenças e a diferença como uma qualidade.
o Quem investe em educação e na ampliação de consciência, precisa investir também no aprimoramento de processos, revendo, olhando de novo com o olhar da valorização da diversidade porque tudo pode estar girando apenas em torno de homens, brancos, sem deficiência, adultos, heterossexuais e assim por diante. Rever processos, sistemas, estruturas, ambientes, ferramentas... é parte do processo de inclusão tanto quanto a educação e a ampliação da consciência ética das pessoas.
Há organizações muito maiores que o HSBC e a DuPont, que citei como fontes de aprendizado para mim neste tema da inclusão de pessoas com deficiência. Contudo, entendo que essa anatomia do sucesso é referência para todo tamanho de empresa. Com 10 ou com 100 mil profissionais a serem incluídos, os “princípios ativos” são os mesmos. Não há atalhos, nem guia, manual ou passo a passo que seja mais importante que a disposição de incluir. O processo gera aprendizados e “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, conforme sentença de Fernando Pessoa.
Incluir significa trazer mais vida para a organização e a vida é complexa, dinâmica, bela. Ela oferece condições para superar as barreiras que ela mesma denuncia. A vida constrói soluções na interação e não fora dela. A vida é repleta de conflitos, contradições, paradoxos, imperfeições, fatos inusitados que fogem do planejado, do pensado, do desejado e por isso mesmo é rica e gera riquezas. Quem está disposto a investir na vida é inclusivo, não tem outro jeito. Quem é inclusivo cumpre com as cotas e vai além, atinge metas e obtém bons resultados para todos, para os incluídos, os que incluem, a organização, os negócios e a sociedade.
Essas empresas que cumpriram a legislação de cotas demonstram a todos que a questão é difícil, mas é possível; que exige investimentos, mas traz bons resultados; que a vida é muito mais do que imaginamos e que a diversidade valorizada nos leva muito mais rápido e muito mais longe nesta aventura da comunidade humana sobre a Terra.
*Texto baseado no artigo elaborado para o HSBC na comemoração pelo cumprimento da legislação de cotas, em maio de 2010.
*Foto de Dorina Nowill, com minhas homenagens.