quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Celebre 20 de novembro!

Muitos eventos acontecem nas empresas no mês de novembro para celebrar o Dia da Consciência Negra ou o dia do herói Zumbi dos Palmares. Algumas vezes, estamos utilizando os termos escravo e negros como sinônimos, o que é inadequado e resultado de uma escolarização anterior aos anos 2000, quando passou a ser disseminado aqui conceitos mais coerentes com a postura antirracista.
Pergunte às crianças e adolescentes de hoje e eles saberão utilizar os termos corretos para expressar rejeição a estereótipos racistas. Termos ou palavras sobre um momento do passado são questões importantes se queremos gerar mudanças na realidade atual. Escravo e escravizado, negros e escravos, são exemplos de termos que precisamos conhecer melhor.
Pessoalmente, desde os anos 80, tocado pela fala de uma colega ativista dos direitos da criança e do adolescente, Regina Pedroso, criei o termo “crianças e adolescentes em situação de rua”, quando o comum era utilizar o termo “menino de rua”. Regina questionava se as crianças brotavam do asfalto, daí a inspiração para falar em “situação” para descrever algo que aconteceu em suas vidas.
Inspirado também no cuidado do movimento de pessoas com deficiência para descrever uma das características que as pessoas possuem, procuro sempre colocar o termo “pessoas” antes de qualquer outra identidade que se quer ressaltar: pessoas negras, pessoas LGBTI+, pessoas jovens, pessoas idosas... Sempre que possível, a palavra pessoa antecede a característica a ser ressaltada e fazer isso é uma maneira de lembrar que somos todos parte da família humana. É o que está escrito no artigo 1o da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos".
É uma ousadia minha e até incoerente com o que defendo: siga o movimento social que representa aquela situação a ser tratada de alguma maneira. Mas, é uma boa ousadia e vejo hoje que está bem mais aceito o termo “pessoas LGBTI+”, por exemplo, contrariando o que um colega uma vez me disse: não é a “embocadura” utilizada pelo movimento.
Escravo é geralmente utilizado como sinônimo de pessoa negra que foi escravizada. Parece ser inerente à pessoa negra a condição de escrava, naturalizando a escravidão, deixando de mostrá-la como uma imposição, uma situação, algo que aconteceu àquelas pessoas em razão de uma característica e de muitos interesses desumanos.
Quando falamos em pessoas escravizadas, a palavra sugere que alguém a escravizou e se beneficiou disso. Aliás, pode também ter defendido e mantido a escravidão mesmo sem se beneficiar diretamente do trabalho das pessoas escravizadas, se é que isso seja possível. A pessoa não é descendente de escravos, portanto, mas de pessoas escravizadas, humanos que foram escravizados por outros. Isso humaniza a questão, traz sujeitos para a conversa e desnaturaliza o que foi uma escolha do sistema econômico, cultural e até mesmo religioso, cristão ou católico.
As pessoas negras sequestradas na África e levadas ao cativeiro para exploração de variadas maneiras, um dia foram livres, tiveram uma cultura, viviam com estruturas sociais e políticas variadas, com uma história que pode ir muito além do que se mostrava na escola, antes de 2003, no capítulo sobre escravidão. A Lei 10.639, de 2003, alterada pela Lei 11.645/08, tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares, do ensino fundamental ao ensino médio. Seu impacto é imenso e por isso as novas gerações estão mais familiarizadas com a abordagem antirracista.
O que diz o antropólogo Kabengele Munanga, em entrevista no Pambazuca News: “Em primeiro lugar, a existência do chamado ‘escravo’ não é razão para aceitar a escravidão. Em qualquer circunstância, a escravidão é uma instituição desumanizante e deve ser condenada. O homem (sic) nasce livre até que alguém o escravize. Portanto, o próprio conceito está errado. O correto é ‘escravizado’, não ‘escravo’. Não há uma categoria de escravo natural. Porém, este conceito já está enraizado na literatura.”
Quando falamos de Zumbi dos Palmares ou do Dia da Consciência Negra, podemos ir muito além da conversa sobre escravidão, pessoas escravizadas, a resistência e a luta pelo fim da escravidão. Lembrar Zumbi é lembrar de muito mais porque se posicionou contra a escravidão, contra o racismo, trabalhou e foi morto por defender uma sociedade que reunia as pessoas negras e não negras em outra estrutura distante da exploração baseada em senhores e servos. Zumbi é herói cuja essência de sua contribuição precisa ser lembrada e ganhar significado hoje. Assim, que ótima oportunidade para promover efetiva igualdade racial na empresa e na sociedade. Cuidado com os termos! Eles revelam nossos interesses.
Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação. Publicado originalmente no LinkedIn, em 16 de novembro de 2019: https://www.linkedin.com/pulse/celebre-20-de-novembro-reinaldo-bulgarelli/