quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Diversos Somos Todos: enfrentando o padrão dominante

Diversos Somos Todos: Enfrentando o Padrão Dominante
Reinaldo Bulgarelli
Txai Consultoria e Educação
18 de novembro de 2014

Minha apresentação no evento INOVAR-SE - http://www.inovarse.org/ - trata de direitos humanos e valorização da diversidade, abordando:

1.     O conceito de valorização da diversidade;
2.     Os desafios para o ambiente empresarial e para a sociedade;
3.     Boas práticas na promoção e gestão da diversidade;
4.     Perspectivas da valorização da diversidade no Brasil.
O título da minha fala é “Diversos Somos Todos: Enfrentando o Padrão Dominante”. Vamos por partes. Para falar do conceito de diversidade, é preciso afirmar constantemente que cada um de nós é um ser único e, por isso mesmo, muito especial. Cada um de nós é uma das soluções que a vida encontrou para se fazer presente dentre as muitas e muitas composições possíveis.
Somos todos únicos e se tem algo que nos caracteriza a todos é a singularidade. Nossa singularidade, o que nos torna únicos, é resultado de um conjunto de características ou, usando um nome mais técnico, um conjunto de marcadores identitários.
Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, está afirmando também que nossas características não devem ser transformadas em motivo para desigualdades, injustiças, desvantagens, vulnerabilidade, exclusão ou violências de qualquer tipo.
Todas as pessoas, em suas singularidades, devem “gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”
A igualdade na condição de gente não significa, de forma alguma, o extermínio de nossas características porque ela é um dado da realidade e também é fonte de riqueza, condição para se falar em desenvolvimento e, sobretudo, em desenvolvimento sustentável.
Eu senti que era importante dizer que diversos somos todos porque algumas pessoas nas empresas e outras organizações tratavam a diversidade como um atributo de alguns de nós, ou seja, não se percebiam como parte da diversidade humana. Isso impacta negativa a formulação e gestão de programas de valorização da diversidade ou dirigidos a determinados temas ou a segmentos da população.
Em geral, essas pessoas se tornavam “invisíveis” à diversidade humana porque se pareciam com um padrão idealizado, que eu chamo de “padrão dominante”. Esse padrão dominante diz que é normal, belo, forte, confiável, inteligente, interessante, pronto para nos governar, que merece ser ouvido, respeitado e valorizado, quem é homem, branco, sem deficiência, adulto, heterossexual, rico, alto, saudável, católico, da região desenvolvida do país, entre tantas outras características.
O padrão dominante é uma ideologia e com base nela nos dividimos, nos separamos, criamos como que uma hierarquia para dizer que uns são mais humanos que outros. Essa ideologia é uma forma de ver o mundo e atende a interesses, buscando que os considerados como padrão dominante tenham privilégios em relação aos demais que não se parecem com ele.
A valorização da diversidade é um movimento, uma postura individual e institucional que enfrenta o padrão dominante para dizer que quem se parece com ele merece todo respeito, assim como todas as demais possibilidades de ser humano, com suas características das mais variadas.
Valorizar a diversidade na empresa é fazer esse movimento de remar contra a maré ao dizer duas coisas: um não à discriminação e um sim à diversidade como fonte de riqueza. Significa até mesmo lembrar a todos e todas as promessas feitas pelo mundo empresarial moderno, regido por uma visão, missão e valores escolhidos para tratar da forma como a organização irá realizar sua missão e obter resultados.
Significa lembrar, por exemplo, que o mérito deveria ser o critério para constituir equipes e não se basear em características como ser homem ou mulher, por exemplo. Na prática das empresas, ainda temos inscrito no perfil da vaga que ela deve ser ocupada por um homem porque ali se exige força. Se exige força, o foco deve estar na força e não no sexo porque há homens fracos e mulheres fortes.
Mas, ao dizer sim para a diversidade como fonte de riqueza, de enriquecimento do olhar da empresa para realizar suas atividades num mundo complexo, desafiador, em rápido e profundo processo de mudança, a diversidade passa também a ser critério para a composição de uma equipe de trabalho. Mais do que contratar pessoas com base no mérito individual, o que é importante, a empresa, como qualquer organização, está buscando também construir a competência organizacional para lidar com o mundo no qual quer ser bem-sucedida.
Desafios para as empresas na valorização da diversidade? O principal deles é enfrentar o padrão dominante e as ideologias da discriminação que dele resultam – o machismo, o racismo, a homofobia e todas as formas de violência que afastam a empresa de sua própria declaração de visão, missão e valores.
Há empresas que acham que valorizar a diversidade é apenas monitorar a sua demografia interna. É uma parte da tarefa. O mais importante é a construção de um ambiente plural, aberto, inclusivo e acolhedor da diversidade humana. Portanto, ambiente que valoriza pessoas, a vida, que tem conexão com a realidade onde opera os negócios, com as perspectivas atuais e as tendências de futuro.
Isso é essencial para uma organização ser criativa e inovadora, atributos cada vez mais valorizados e necessários. Isso implica em trabalhar a cultura organizacional e não apenas a demografia interna. Uma demografia que atenda a princípios básicos como a não discriminação, demandas da sociedade e suas normas, se complementa com uma gestão de pessoas que trabalhe essa expressão da pluralidade numa cultura de respeito e inclusão.
O conjunto de boas práticas empresariais no campo da valorização da diversidade tem duas características essenciais:
(a) O enfrentamento do padrão dominante, mais do que apenas a inclusão de alguns segmentos ausentes ou em situação de desvantagem na organização. Isso implica rever e aprimorar estruturas físicas, pensamentos, posturas, processos, sistemas, formas de comunicação, com impactos também no seu fazer, nos produtos, serviços, atendimento e relacionamento com seus diferentes públicos ou stakeholders. Se tudo foi moldado pelo padrão dominante, das máquinas à comunicação, é preciso que a pluralidade esteja não apenas nas características da demografia interna, mas no jeito de ser, de fazer e de se relacionar da organização.
(b) A participação das pessoas, mais do que projetos mirabolantes e bem feitos no meu escritório de consultoria, por exemplo. É essencial ouvir as pessoas, promover diálogos, promover a participação efetiva de todos no enfrentamento do padrão dominante e na construção dessa cultura organizacional aberta à criatividade e inovação na maneira de ser, de fazer e de se relacionar no mundo.
Não acredito em projeto de valorização da diversidade que não envolva a criação de um comitê com representantes de diferentes áreas, uma plataforma a partir da qual as pessoas se capacitam no tema, colaboram umas com as outras e constroem juntas as soluções para que a organização faça uma excelente gestão da diversidade que, por sua vez, adicione efetivo valor a todos. O projeto mais bonito é o mais efetivo. Isso só se consegue com a estética da participação construindo soluções que tenham total sintonia com a identidade da organização, sua estratégia de negócio e sua gente, seus líderes, a cultura a ser fortalecida ou transformada.
Não acredito em projeto de valorização da diversidade que não crie espaços de diálogo sobre diversidade racial, sexual, de gênero, etária, religiosa etc. Os grupos, centrados em questões ou temas de enfrentamento do padrão dominante, se reúnem, nestas empresas para, sobretudo, ajudar suas organizações a lidar melhor com esses segmentos, temas ou questões. São mais estratégicos, como gostamos de dizer, quanto mais efetividade garantem para a organização ao garantir a consideração pelas singularidades em tudo que se faz.
É essencial que as pessoas sejam ouvidas e que dialoguem em torno da identidade da organização, o que envolve todo mundo, não apenas as pessoas daquele segmento ausente ou em situação de vulnerabilidade e desvantagem dentro da empresa. Se interessa a todos, de verdade, todos devem se sentir convidados a participar e contribuir.
Falando, por fim, das perspectivas da valorização da diversidade nas nossas empresas no Brasil, eu posso dizer que o tema tem futuro se, e somente se...
(a) Se nós, os profissionais que trabalhamos o tema no ambiente empresarial, tivermos um profundo carinho pelas nossas empresas que nos faça aprimorar sempre e mais nosso entendimento do tema e nossas ferramentas de intervenção na realidade.
É preciso acreditar que as empresas e seus sujeitos são capazes de transformar a situação atual de discriminação e segregação em uma cultura de respeito aos direitos humanos e de valorização da diversidade como fonte de riqueza, de adição de valor, de contribuição para a sustentabilidade da organização num mundo também sustentável.
(b) Se as empresas desenvolverem cada vez mais a capacidade de trabalhar em conjunto, criar fóruns e grupos de trabalho em torno de questões essenciais para a valorização da diversidade no âmbito do respeito e promoção dos direitos humanos, de práticas socialmente responsáveis e de contribuição para o desenvolvimento sustentável. A criação do Fórum de Empresas e Direitos LGBT, em março de 2013, é um exemplo disso. O tema não era fácil para cada empresa individualmente mas, ao juntarem-se para conversar em rodas envolvendo os executivos e os profissionais que lideram as ações de diversidade em diferentes áreas, todos encontraram ali soluções efetivas e uma serenidade necessária para avançar.

Diversos somos todos e, portanto, somos todos responsáveis por valorizar e promover a diversidade. O desafio não está colocado apenas dentro de uma empresa, mas dentro da nossa mente, na nossa sociedade e exige humildade para reconhecer que não sabemos tudo; persistência para enfrentar questões milenares; profundidade para buscar a essência e enfrentar a superficialidade; diálogo para enriquecer a perspectiva individual e coletiva; coração aberto para acolher a vida em sua diversidade criadora. Obrigado!