sábado, 8 de março de 2014

Mulheres na fábrica: a transição entre a força e a delicadeza

Mulheres na fábrica: a transição entre a força e a delicadeza

Reinaldo Bulgarelli
Txai Consultoria e Educação
08 de março de 2014

O moço sem músculos fala que as mulheres são fracas
Um rapaz operário, magro e sem músculo algum, me disse que não havia tantas mulheres na fábrica porque o trabalho era pesado. A priori, todas as mulheres do mundo são mais fracas que ele e todos ou qualquer homem pode trabalhar ali. É o machismo produzindo justificativas que não têm cabimento, baseadas em estereótipo e na superioridade dos homens, incluindo a força muscular.

Basta olhar para os demais homens da empresa para verificar que o discurso da força não se sustenta. Com todo cuidado, para não humilhar ou criar constrangimentos, eu aponto a falta de músculos dos homens. Mesmo assim insistem, repetindo o discurso que a realidade desmente. Alguns dizem que as mulheres não suportam o trabalho pesado por muito tempo. 

Questiono se homens também não estão engordando essa estatística, se houver estatística, de abandono da empresa. O tal turnover é medido com recorte de gênero? Também proponho pensar nas mulheres que vão à feira ou ao mercado, que carregam o filho no colo por longas distâncias, que cuidam de uma casa e, mesmo assim, os homens continuam me dizendo que o trabalho deles é mais pesado e intenso.

As máquinas não precisam mais de músculos
Eu pergunto, andando entre as máquinas da fábrica, em qual momento o uso da força física se faz necessário. Mesmo as máquinas mais antigas e os processos mais primitivos são todos movidos por alta tecnologia e o discurso da força cai por terra novamente. Não há um lugar ou atividade que a força física é necessária para justificar a ausência das mulheres.

As máquinas e os processos mudaram.  Tudo bem que há equipamentos velhos e que a empresa tolera máquinas antiquadas que jamais seriam aceitas no país da matriz, mas mesmo assim a alta tecnologia impera. O trabalho é muito pesado, mas nada comparável às máquinas e processos de uma ou de mais décadas atrás, muito menos relacionado apenas a homens. Mesmo no passado, essa justificativa da ausência das mulheres só se sustenta no machismo.

Focar na exigência da força e não de homens
Se a força é necessária, o foco deveria estar nela e não nos homens. Há homens fracos e mulheres fortes. Mas, é mesmo necessária tanta força assim? Nem a lei permite e nem a prática demonstra que a força é que move as máquinas nas fábricas, sobretudo de nossas grandes empresas. Os homens se desqualificam quando justificam que estão ali por conta da força, como se fossem apenas músculos. Com tanta tecnologia, estão ali porque são inteligentes para poder lidar com tantos manuais e regras de trabalho tão sofisticadas.

As mulheres, quando estão presentes nestas conversas, ficam com um sorrisinho no canto da boca, estrategicamente prudentes diante do abalo que causo nos pilares ocos do machismo. Elas sabem que o escárnio é fatal neste ambiente de homens, uma organização feita por eles e para eles, portanto, ambiente masculino, masculinizado e masculinizante. Gostam quando eu digo que é preciso contratar com foco na força e não no sexo. Precisar de força é uma coisa diferente de precisar de homens, quebrando a lógica de atribuir automaticamente a força aos homens e a fragilidade às mulheres.

Vou mais fundo e pergunto a gestores o que acham do trabalho das poucas mulheres que estão realizando as atividades antes realizadas apenas por homens. A turma se divide.

Mulheres não gostam de trabalho pesado
Alguns falam de preguiça, vaidade, fragilidade, falta de empenho e que as mulheres ficam pouco tempo na área, logo se transferindo para áreas “feitas para elas”, como o laboratório e áreas com atividades tidas como mais leves. Dizem que elas é que escolhem assim.

Vou pesquisar e vejo que houve um caso em que a mulher trocou de área e, conversando com ela, disse não suportar a permanente hostilidade dos homens. Quando ouço essas histórias de mulheres que abandonam a área, penso com os homens em algumas alternativas para justificar esse fato.

Não será o clima interno que é também insuportável para estas poucas e pioneiras mulheres? Não será um problema na seleção, já que as mulheres da área de RH não estão acostumadas a recrutar e entrevistar mulheres operárias, escolhendo aquelas que correspondem ao estereótipo vigente? Estariam escolhendo mulheres com foco no estereótipo feminino e não com foco no perfil da vaga, da atividade e suas exigências? Não haverá ainda uma falta de cultura na cidade em relação à presença de mulheres em fábricas ou atividades tidas como masculinas, explicando que apareça um tipo de candidata não compatível com aquele trabalho? Não há uma falta de demanda por mulheres sobre as instituições que formam os profissionais para a fábrica?

As mulheres são muito melhores que os homens
Outros falam que deveriam ter contratado mulheres desde sempre. Elas são melhores, mais delicadas, mais limpinhas, mais organizadas, mais cuidadosas com a saúde, com a segurança, diminuindo o número de acidentes. Elas dão conta do trabalho pesado e ainda tornam o ambiente mais agradável com sua presença. O que será que querem dizer com isso?

Dizem também que elas são mais comunicativas, lidam melhor com as regras do ambiente empresarial atual, acatam e fazem críticas com mais facilidade que os homens. Elas são mais inteligentes que os homens em todos os sentidos, incluindo a chamada inteligência emocional.

Mulher é muito melhor que homem, dizem estes, enquanto os outros demonstram aversão a qualquer movimento da empresa para incluir mais mulheres na fábrica. Entre os dois extremos, as mulheres apenas querem oportunidades iguais, respeito, condição para se desenvolverem num trabalho decente. Os homens também, mas a igualdade ainda está distante.

Fase de transição não é nada fácil
É uma fase difícil para as empresas e seus trabalhadores homens e mulheres. É fase de transição. As mulheres ficam divididas entre aceitar o elogio de que são melhores e enfrentar a prática do machismo que as desqualifica em tudo.

No número, a mulher sai perdendo porque estas grandes marcas ainda apresentam uma demografia favorável aos homens na base ou em cargos de liderança. No discurso, contudo, a mulher agora é elogiada e apresenta-se como a solução para todos os males: produtividade, segurança, cuidados com o ambiente de trabalho etc. Mudou o paradigma e os números, penso eu, tendem a mudar numa velocidade que nenhuma empresa e seus sujeitos ainda estão preparados.

Empresas que gostam de diversidade se saem melhor
As empresas com discurso de valorização da diversidade oferecem um repertório melhor para as mulheres. Elas sabem que as ações de valorização da mulher, incluindo ações afirmativas, são para garantir equidade, uma demografia equilibrada, meios para alcançar o equilíbrio na demografia interna e não privilégios porque agora a moda é apostar na mulher.

Estas empresas estão dizendo que gostam é de diversidade, não de mulheres, com as ações para promover e empoderar a mulher baseadas em princípios universais de direitos humanos, aspectos éticos, argumentos econômicos e de contribuição para o desenvolvimento sustentável.

Empresas que têm apreço pela diversidade, a promovem com um conjunto amplo de ações que também consideram e buscam impacto na cultura organizacional e, evidentemente, na cultura local onde estão imersas. Não reduzem a promoção da equidade de gênero a cotas porque sabem que isso é meio e não fim para se conseguir uma organização que seja tão masculina quanto feminina, que gosta de diversidade e a valoriza na maneira de ser e de agir, de tomar decisões e de se expressar no mundo.

Ainda parece tão difícil, mas a diversidade tem se mostrado o melhor caminho para superar essa fase e chegarmos logo num novo patamar. Enquanto isso, na sala dos presidentes, o mais ouvido e respeitado é o moço sem músculos com o argumento de que a força é a competência mais exigida na fábrica.