Reinaldo Bulgarelli
01 de junho de 2013
Dizer não à maioridade penal tem sido uma forma de reafirmar
o sim aos direitos humanos da criança e do adolescente, sobretudo de expressar
o compromisso com um projeto de país justo e, por isso mesmo, sustentável.
Não se trata de ficar analisando a idade com a qual uma
criança já é capaz de saber o que é certo e errado. Nós, adultos, já temos idade para saber para onde queremos ir e assim
decidimos na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, de
1990. Ele propõe uma forma de ser, não apenas de fazer isso ou aquilo, de ter
esta ou aquela ferramenta para melhorar, por exemplo, a questão da segurança
pública.
Não estamos vivendo um retrocesso, mas a luta de interesses
que sempre esteve presente antes, durante e depois da promulgação do ECA. Há quem queira um
país no qual os jovens, sobretudo negros e pobres, vivam encarcerados antes
mesmo de se tornarem jovens. Há quem acredite, como eu, que uma medida socioeducativa
pode ser uma oportunidade para um futuro melhor para todos, não apenas para o
próprio jovem.
O ECA não apenas propõe um modelo de sociedade que promove
direitos básicos e fundamentais para todas as crianças e adolescentes, mas expressa
os princípios desse projeto de país também diante do adolescente que comete um
ato infracional, mesmo hediondo, como alguns que temos visto ultimamente e que são divulgado com alarde. E os outros tantos crimes cometidos contra os jovens, sobretudo pobres e negros, porque não merecem o mesmo alarde? Mas esse é outro aspecto da mesma discussão e que nos leva de novo ao projeto de país que o ECA representa.
Cabe refletir se estamos ajudando a população a entender essa proposta do ECA para quem comete ato infracional quando reafirmarmos
apenas a importância da educação, da saúde, da atenção aos direitos básicos
como preventivos à violência. Isso é o óbvio, mas é preciso mostrar que o ECA tem
uma proposta das mais celebradas do mundo quando se trata de lidar com a
violência cometida por crianças e adolescentes. Há resistências na implantação
do modelo que alimentam uma profecia autorrealizável. Não investem, colhem os
resultados da incompetência e culpam o modelo proposto pelo ECA para confirmar
sua tese de que “essa gentinha não tem jeito mesmo”.
Cabe refletir também sobre como estaríamos hoje se o ECA não
tivesse sido implantado, mesmo que em tantos lugares ainda tenhamos juízes,
promotores, policiais e governadores operando com o antigo Código de Menores na
cabeça, que melhor representa sua visão de mundo. Pelo ritmo com que a
sociedade vem mudando, o antigo Código de Menores teria nos levado ao colapso.
É o ECA, mesmo com tantas resistências, que está nos salvando.
A violência e o ódio nunca nos levaram a lugares mais
seguros, no entanto, muita conversa em torno dos casos bárbaros envolvendo
adolescentes carregam mais ódio e violência do que qualquer coisa
que possa nos levar a soluções efetivas. Parece que ser mais do que a barbárie do "olho por olho, dente por dente". Onde nos levará tanto discurso raivoso e carregado de ódio?
E que tal discutirmos como o ECA
poderia ser referência na revisão do sistema proposto para os crimes dos adultos? Será que a
situação não estaria melhor? Ou alguém ainda acredita que o sistema atual serve
à sociedade? Quantas cadeias mais serão necessárias para responder a este
modelo de justiça e segurança pública que temos atualmente?
Nem estou falando
de governantes incompetentes ou corruptos, mas de sistemas ou modelos que
precisam ser repensados com a mesma energia com que se quer simplesmente trancafiar
ou mesmo exterminar os jovens.
Ninguém está contente com a situação atual, mas a escolha
que faremos é entre estes dois modelos e o projeto de país que eles
representam. Queremos soluções para o problema da segurança pública e não
adianta dizer que o caldo entornou lá atrás quando direitos não foram
assegurados. Isso é o óbvio.
É tempo de reafirmar que o ECA também representa uma solução
para aquele jovem que cometeu um ato bárbaro neste momento de sua vida, com tudo que lhe acontece e que acontece neste instante. É neste momento que ele também
precisa ter assegurados seus direitos e isso representa assegurar o direito de
todos pela qualidade e efetividade da resposta oferecida a seu ato. Um modelo efetivo de enfrentamento do problema da
violência praticada por crianças e adolescentes existe e ele interessa mais ao
bem-estar de todos do que os discursos manipuladores.
Esse líderes e autoridades que bradam contra o ECA são, em geral, os
mesmos que deveriam garantir a segurança da população. Mas, basta conferir em
seus discursos e práticas, são os mesmos que jamais olham para os jovens negros
e pobres com a crença de que podem ir muito além do que o cercadinho que se quer lhe impor. Sim, eles podem e estão indo além do cercadinho.
Podemos voltar para o tempo da arbitrariedade e da violência
sem igual contra os direitos humanos dos mais jovens ou podemos implementar
efetivamente o projeto que aponta para um futuro melhor. Sempre estaremos neste
embate com as forças conservadoras, portanto, vamos aproveitar para explicitar
os projetos de país em questão.
Eu não quero viver no século daqueles sujeitos da ditadura,
uns mortos-vivos que ainda assombram o cenário político do país só porque não
fomos capazes de enfrentar a verdade daqueles tempos. Felizmente, o país não é
mais o mesmo. Tem muita gente querendo respostas efetivas para seu
sentimento de insegurança e tem esse "entulho autoritário" manipulando qualquer discussão para provar suas teses de que o país seria bem melhor sem o seu
povinho, a tal “gente diferenciada” que agora também tem vez e voz, bem diferente do que acontecia na ditadura.
Vamos aproveitar esses momentos de embate para mostrar que
há uma Constituição e muita competência para encontrar as soluções para os jovens
violentos tanto quanto há soluções para este sociedade que parece querer ser cada vez mais
violenta, a depender dos mortos-vivos que nos assombram. Mas não é e não será
porque somos muito melhores que isso. O ECA representa o que há de melhor como
projeto de país que pensa suas crianças e adolescentes como sujeitos de direito, portanto, que constrói um futuro muito melhor e sustentável para todos.