Este é um blog sobre valorização da diversidade que também reúne artigos, notícias, comentários e informações variadas sobre o tema e suas interfaces com sustentabilidade e responsabilidade social empresarial. Estou também reunindo aqui (quase) tudo que sai publicado com minha participação, como artigos, entrevistas, livros, notícias, facilitando que sejam encontrados em um só lugar. Boa leitura! Reinaldo Bulgarelli
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Argentina: um passo adiante do Brasil nos direitos LGBT
Toni Reis, presidente da ABGLT, enviou por email artigo para ser divulgando que trata da legislação aprovada na Argentina.
Aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina : um exemplo de cidadania plena
Toni Reis*
Depois de 14 horas de debate, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado na Argentina na madrugada do dia 15 de julho de 2010, com 33 votos a favor, 27 votos contra e três abstenções. Uma mudança tão pequena de redação, com tanto significado para a igualdade de direitos. A reforma substitui as palavras “homem e mulher” da versão atual da legislação por “cônjuges”, permitindo assim que casais do mesmo sexo também possam contrair o matrimônio.
Congratulações à querida aliada Cristina Kirchner e seu governo, à câmara dos deputados, ao senado, às pessoas militantes LGBT, e a todo o povo argentino. Esta aprovação é um gesto de civilidade.
A Argentina agora, sem dúvidas, torna-se um país com mais igualdade e inclusão. Todos e todas são vitoriosos pela decisão histórica. Afinal, universalizou-se este direito.
Vocês, hermanos e hermanas, devem se orgulhar do feito. Vocês são o primeiro país a reconhecer a igualdade dos direitos humanos de pessoas LGBT em nossa região, onde existe ainda muito machismo e homofobia. E são o décimo no mundo a avançar nessa garantia. Agora vocês estão ao lado da África do Sul, Bélgica, Canadá, Espanha, Holanda, Islândia, Noruega, Portugal, Suécia e Suíça. Orgulhem-se!
Foi o maior debate na sociedade argentina desde a aprovação da lei do divórcio em 1987.
Do lado dos argumentos contra – muitos deles irracionais, ilógicos, retrógrados, conservadores e fundamentalistas – disseram que somos inférteis, filhos do diabo, desviados, antinaturais, pervertidos, abomináveis, projeto do demônio, que queríamos destruir a família tradicional, e implantar a filosofia de Sodoma e Gomorra; seria o apocalipse, um “risco para o futuro da pátria”, iríamos acabar com a perpetuação da espécie... Como bem resumiu a presidente Cristina Kirchner, "o discurso da igreja recorda os tempos da inquisição e das cruzadas".
Também, não vamos tripudiar os vencidos. Afinal, qual deles ainda ousam falar que a terra é quadrada ou que os negros não têm alma? Eles também vão mudar lentamente, daqui uns 500 anos talvez.
Venceu o discurso racional, lógico e sólido, a honestidade intelectual e liberdade de consciência, provando que esta lei é mais um instrumento de luta contra a discriminação. Venceu o estado laico e a secularidade do código civil.
Um fato importante é que apesar de ser uma iniciativa de duas parlamentares da esquerda, Silvia Augsburger e Vilma Ibarra, parlamentares de todas as matizes ideológicas e partidárias votaram e foram a favor do projeto.
Para ficar na história, seguem alguns dos argumentos a favor apresentados por parlamentares da situação e da oposição:
Ao apoiar a mudança, o líder do bloco da oposição radical, Gerardo Morales, afirmou que "chegou a hora de sancionar normas que se adaptem a novos modelos de vínculos familiares" e relembrou a existência de "modelos de famílias diferentes (aos) que tínhamos há 30 ou 40 anos". Segundo ele, apesar das polêmicas e disputas, "ganhou o debate cultural" no país, diante da participação da sociedade na discussão.
O senador socialista Rubén Giustiniani, que votou a favor da lei, disse que o perfil da sociedade argentina mudou e por isso era o momento da aprovação do texto. Segundo ele, dados oficiais indicam que 59% das famílias argentinas já não atendem ao perfil tradicional de pai, mãe e filhos. Mas de mães solteiras, casais separados e casais homossexuais.
"Hoje é um dia histórico. Pela primeira vez na Argentina se legisla para as minorias", afirmou o senador Miguel Pichetto, líder do bloco do governo, acrescentando que "aqui não haverá mais casamentos do mesmo sexo só porque aprovamos esta lei. O objetivo desta norma é eliminar a discriminação".
A senadora Victoria Blanca Osuna defendeu: "as questões que estão em jogo nesse projeto não são religiosas ou morais. Nós estamos perguntando a nós mesmos a responsabilidade da democracia com as minorias discriminadas".
Nas palavras do senador Eduardo Torres, "a única diferença entre gays e heterossexuais é que eles têm menos direitos na sociedade argentina. Nós não podemos aceitar a discriminação que ocorre em várias partes da sociedade.”
Já o senador Luis Juez, da opositora Frente Cívica, optou por apoiar o governo porque, mesmo cristão, entende que "nem na Bíblia há um parágrafo onde Cristo fosse contra os homossexuais". Ele lembrou que o código civil é "uma instituição laica, em um país laico. O Estado argentino passou a reconhecer a mudança social, e a projetou juridicamente.”
A senadora Maria Eugenia Estenssoro, da opositora Coalición Cívica, argumentou que o projeto é "necessário" para os casais do mesmo sexo. "Esta lei permitirá que os homossexuais possam assumir publicamente suas relações."
Com certeza, a comunidade LGBT brasileira está com “uma certa inveja arco-íris”. Aqui estamos sendo menos ousados, estamos pedindo somente a união estável, e mesmo assim estamos tendo a maior dificuldade com fundamentalistas religiosos. Vamos analisar e discutir esta nova conjuntura.
Não vamos desistir. Vamos nos inspirar na Argentina. Vocês venceram uma etapa importantíssima, agora sejam felizes e continuem lutando para mudar a cultura. A mudança das leis não quer dizer a mudança de cultura.
Para quem não foi escravo, a libertação da escravatura foi um fato histórico relevante. Mas para quem era escravo, foi a melhor coisa que aconteceu. Da mesma forma para nós LGBT, a aprovação do Casamento Civil é a abolição de uma das tantas discriminações imposta à nossa comunidade.
No Brasil pelo menos 78 direitos civis expressamente garantidos aos heterossexuais na legislação brasileira são negados aos homossexuais. Para isto, há uma possibilidade que a união civil poderá chegar aqui também, a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que deve examinar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132-RJ e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, nas quais se argumenta que negar o direito de união às pessoas do mesmo sexo viola os princípios constitucionais de igualdade. Nisto, já temos apoio do Presidente Lula e da Advocacia Geral da União.
É um absurdo que a essa altura da história nossa sociedade ainda esteja discutindo se deve ou não universalizar os direitos. Mas, apesar do poder de grupos religiosos fundamentalistas contrários à mudança, mais cedo ou mais tarde, a lei será aprovada no Brasil também, garantindo dignidade e combatendo a discriminação.
Como o Presidente Lula falou na abertura da I Conferência Nacional LGBT, “Ninguém pergunta a orientação sexual de vocês quando vão pagar Imposto de Renda, ninguém pergunta quando vai pagar qualquer tributo neste País. Por que discriminar na hora em que vocês, livremente, escolhem o que querem fazer com o seu corpo?”
A querida aliada presidente Cristina Kirchner resumiu tudo, estamos felizes e satisfeitos com a vitória.
Esta vitória mudou o mapa da região, vejam em anexo. (ACIMA)
Amores iguais, direitos iguais, nem menos, nem mais. Que viva a cidadania plena, sem discriminação de qualquer natureza. Que viva a Argentina, e que continue dando exemplo para o mundo de como devem ser tratadas as pessoas LGBT.
* Toni Reis
- convive com seu marido há 20 anos
- especialista em sexualidade humana
- mestre em ética e sexualidade
- doutorando em educação
- presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
- diretor da Associação para a Saúde Integral e Cidadania na América Latina e no Caribe